Com o lançamento do livro Drogas e Cultura: novas perspectivas, editado em parceira com a Universidade Federal da Bahia, o Ministério da Cultura espera contribuir para uma maior eficácia das políticas públicas sobre “drogas” em nosso País. Não poderíamos nos furtar a esta discussão, especialmente pela gravidade crescente de que se reveste. Sobretudo porque dela a dimensão cultural da questão não pode estar ausente, se quisermos desenvolver uma ação responsável sobre o assunto.
O consumo de “drogas” sempre remeteu a várias esferas da vida humana. Fatores de ordem moral e cultural possuem uma ação determinante na constituição de padrões reguladores ou estruturantes do consumo de todos os tipos de “drogas”.
A cultura não é apenas um componente a mais, ela é de fundamental importância. Sentimos que a sociedade não está sabendo tratar o tema das drogas. Ele não é apenas um caso de polícia e de saúde pública. Com “droga”, ou sem “droga”, os seres humanos, ao longo do tempo, têm buscado ampliar o horizonte do real. Parece ser algo intrínseco à sua natureza.
Não podemos continuar tendo uma visão simplista e superficial sobre o assunto. Não se trata de desconsiderar os riscos e as complexidades bioquímicas do uso dessas substâncias, mas de abrir mais espaço para este tipo de reflexão na discussão sobre as “drogas”.
A militarização no combate às “drogas” está perdendo a batalha em todo o Ocidente, e no Oriente. Esta ação não tem diferenciado o usuário do traficante, para ela o consumidor é um cúmplice.
Não basta a descriminalização. Algumas drogas, como o crack, viciam e geram dependências com conseqüências devastadoras; inclusive, parte das drogas legais. A bebida, por exemplo, tem presença maciça nos acidentes de trânsito e muitos remédios causam níveis altos de dependência. Entretanto, não podemos imputar à cultura a possibilidade de solucionar o problema. A cultura entra como um componente a mais de uma análise multidisciplinar, mas de fundamental importância.
A diferenciação entre o consumo próprio – individual ou coletivo – e o tráfico ainda não foi totalmente estabelecida. A ausência de tal distinção acarreta um tratamento de desconfiança moral, policial e legal frente a todos os usuários de substâncias psicoativas, independente de seus hábitos e dos contextos culturais.
Existem drogas legais, e drogas ilegais. Drogas leves e pesadas. Drogas que criam dependência e drogas que não criam.
Precisamos balizar de um modo mais atento e detalhado as relações entre os usos, os consumos, a circulação e os direitos privados dos cidadãos.
Devemos incorporar uma compreensão “antropológica” sobre as substâncias psicoativas, uma abordagem mais voltada para a atenção aos comportamentos e aos bens simbólicos despertados pelos diversos usos culturais das “drogas”, tanto no nível individual quanto social. Precisamos exercer um papel propositivo na elaboração da atual política nacional sobre a matéria, buscando sempre a ênfase na redução dos danos.
Ao desconhecer certas singularidades e ignorar os diversos contextos culturais, acabamos por tratar de modo estanque e indiferenciado as distintas apreensões culturais e nos tornamos incapazes de distinguir as implicações dos múltiplos usos das “drogas”.
As “drogas” estão na sociedade e nas culturas e, portanto, não podem ser entendidas fora delas. Nossos pesquisadores e nossa legislação devem, em alguma medida, levar em consideração a dimensão cultural para cunhar políticas públicas mais eficazes e mais adequadas à contemporaneidade.
Juca Ferreira
Ministro de Estado da Cultura