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quinta-feira, 12 de junho de 2025

A LÂMINA, O COPO E A PALAVRA: UM PREFÁCIO À ESCRITURA RITUAL DE THEOTONIO FONSECA


                               

                                            Theotonio Fonseca - escritor 

Rogério Rocha

 

Entre tramas de linguagem barroca, incursões herméticas e visões místicas transfiguradas em verbo, “A Navalha do Ébrio na Carne do Copo” oferece uma experiência literária que escapa ao ordinário. Theotonio Fonseca costura, como quem invoca, uma tapeçaria de mitos, símbolos e paradoxos que fazem de seus contos muito mais que narrativas — são rituais literários.

 

Seus personagens, paisagens e objetos não estão presos às funções convencionais: uma boca de poço devora; um sapato é costurado com asas; um mioma sonha. As imagens ultrapassam o limiar do fantástico: mergulham na metafísica de um real encantado, de uma realidade que pulsa no invisível, onde o tempo é espiral e o verbo é cosmogênese.

 

A cabala, a gnose, a alquimia e os fundamentos da tradição africana dialogam em cada parágrafo. O alguidar primordial que engole a si mesmo é reflexo do Ouroboros. O menino-cobra, a santa de roca grávida, a abadessa menstruante, são arquétipos da transgressão que reinventa o sagrado a partir do profano. Aqui, o feminino e o marginal não pedem licença: fundam liturgias novas.

 

Fico feliz ao ler um autor que foge ao convencional. Um homem que apresenta sua alma, expõe sua face, acredita em sua verdade. Um escritor que assume, inclusive, o risco altíssimo de não ser compreendido pelo público. Não porque assim o queira, mas por estarmos diante de alguém que trabalha no limite da razão, resvalando nas bordas da loucura. De uma voz literária que se alimenta de fontes raríssimas de influência, simultaneamente múltiplas e incomuns. Elementos que valorizam ainda mais o modo pelo qual escolheu contar suas histórias. Na contramão dos modismos editoriais, voltados a uma visão meramente comercial e mercadológica da literatura.

 

Ao final dessa experiência de leitura, ninguém sai ileso. Há uma modificação interior. Há um encontro com o inominável dentro de tudo aquilo que julgamos conhecer. Somos levados a mergulhar em nossos estranhamentos. A viver num plano imaginário profundo, diverso e desconhecido para a maioria dos leitores.


 

A literatura de Fonseca funciona como espada e unguento. Em “Cozendo a Boca do Sapato Velho”, ele escreve: “a trama da costura foi urdindo espanto e estabilidade.” A narrativa refaz o caminho da redenção por meio do artesanato da linguagem ligada às ancestralidades.

 

“A Navalha do Ébrio na Carne do Copo” é obra de fôlego mítico, com imaginação teológica e execução estilística singular. É obra para ser lida com o corpo, para ser sonhada com os olhos, para ser orada em silêncio diante de um altar aceso com a chama das palavras.

 

Que o leitor se prepare, pois aqui a literatura volta a ser um ritual. E o copo — transbordante — ainda vibra.




domingo, 20 de outubro de 2024

Prefácio de “Ornitorrinco”, de Theotonio Fonseca de Sousa

 

             Rogério Rocha [escritor e filósofo]

É com grande satisfação que apresento este prefácio sobre o livro “Ornitorrinco”, assinado pelo talentoso autor Theotonio Fonseca de Sousa. Como um estudioso da literatura, sinto-me no dever de destacar logo de saída: trata-se de obra singular e multidimensional.

Após uma breve leitura, percebe-se, sem muito esforço, que “Ornitorrinco” desafia qualquer categorização simplista. Sobretudo porque Theotonio Fonseca estrutura sua poesia através de uma escrita que se emaranha entre o barroco/neorrococó e o contemporâneo, o clássico e o moderno.

Fico com a impressão de que ele intenciona reorganizar o universo pela via particular da linguagem. Ou como diz em “Pacto fáustico”: “anseio pela silhueta do campo unificado[...]que traduza a plenitude da mente de Deus”.

Seus versos de muitas faces estão carregados de imagens impressionistas – para não dizer impressionantes – que oscilam entre o passado e o presente. Com eles o autor produz uma densa nuvem de sentidos na miscigenação de referências não só a outros poetas, mas às mitologias greco-romana, judaico-cristã, africana e dos nossos povos originários.

Essa fusão de influências termina por criar uma linguagem rica em simbolismos e texturas. Mediante utilização de temas e abordagens pouco comuns, Fonseca tinge de novas cores antigos e conhecidos pilares estéticos da poesia ocidental.

Antes de dar continuidade ao prefácio, necessito, entretanto, voltar ao título do novo livro. Afinal, é importante esclarecer o que seja um ornitorrinco.

O ornitorrinco é um mamífero encontrado na Austrália e Tasmânia. Da família da não menos esquisita equidna, esse animal interessante, conhecido por sua aparência estranha, nos remete às aberrações encontradas na natureza.

É um mamífero semiaquático que combina características de diferentes animais. Tem o bico de um pato, o corpo de uma lontra e a cauda semelhante à de um castor. Esse animal peculiar é um dos seres mais incomuns do mundo.

Nesse ponto, título e produção do livro convergem para sinalizar ao público a origem pouco convencional do estilo do autor, cuja poesia busca respaldo em imagens que justificariam denominá-la de uma poética ornitorrinca. Poética capaz de provocar alguns abalos theotônicos, diria o saudoso Carvalho Júnior.

O poeta não teme explorar os recantos mais profundos da simbólica universal. Ao conduzir-nos por um labirinto de expressões, ideias-força e terminologias pouco ortodoxas, encontramos ecos do esoterismo, ocultismo, magia e misticismo entrelaçados com passagens bíblicas e fragmentos do ideário do folclore brasileiro.

As religiões de matriz africana e a filosofia também deixam suas marcas, encontrando espaço nos poemas aqui apresentados. Convivem, assim, numa equação imprevisível, mas com efeitos bastante proveitosos.

A poética de Theotonio resulta em uma nova cosmogonia. Seus versos orbitam corpos celestes por vezes não identificados. Eles criam um catálogo de movimentos curiosos e desafiadores em um universo próprio. Características distintivas também presentes em seus livros anteriores.

Cada poema se configura, portanto, como uma constelação singular, e "Ornitorrinco" representa a galáxia que os acolhe. 

 



 
Este livro propõe ao leitor um desafio instigante: a exploração dessas dimensões e a descoberta dos enigmas embutidos na coreografia das palavras, conduzidas com maestria e conhecimento.

“Ornitorrinco” é, deste modo, a coroação da caminhada poética de Theotonio Fonseca. Com este livro, o poeta de Itapecuru-Mirim dá por concluída a sua missão dentro do gênero ao qual se dedicou apaixonadamente.

Demonstrando coerência com seus princípios, finaliza sua jornada com uma obra digna de representar a melhor síntese do que escreveu até hoje. Essa obra intrigante nos envolve com sua beleza, guiando-nos pelos mistérios de um universo peculiar ainda por ser explorado.

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