O biólogo francês Jean-François Bouvet está chamando a atenção
internacional com um livro recém-lançado na França, pela
editora Flammarion: Mutants: à quoi ressembleronsnous demain? (Mutantes:
como seremos amanhã?, em tradução livre). Nele, o professor
da Universidade Claude Bernard, em Lyon, após dez anos de pesquisa em
neurobiologia, retoma a tese de que as modificações ambientais
produzidas pelo homem, desde a Revolução Industrial, estão causando uma
transformação inédita na espécie. “O homem provocou um Big Bang químico
que agora age sobre ele. Está mudando numa velocidade que não tem mais
nada a ver com a evolução darwiniana”, afirma.
Além da tendência demograficamente comprovada de as novas gerações
viverem mais tempo e serem mais altas, Bouvet soma outras
características menos desejáveis. Segundo ele, estamos ficando mais
velhos, altos, obesos, inférteis e doentes. De acordo com a pesquisa, a
altura dos franceses aumentou quase cinco centímetros nos últimos 30
anos, mas, em compensação, mais de 15% da população adulta se tornou
obesa. Ao mesmo tempo, atualmente uma entre quatro meninas
afroamericanas entra na puberdade por volta dos 7 anos. E, em meio
século, a concentração de espermatozoides diminuiu 40% nos homens de
todo o planeta, sendo acompanhada por uma diminuição das taxas de
testosterona – o hormônio da sexualidade masculina.
Tem mais. A prática global de trabalhar horas diante de telas de
computadores escalou a proporção de míopes na população de uma
maneira nunca vista. A fl ora intestinal também vem se modificando
devido à ingestão de novos alimentos, nos tornando inaptos a assimilar
os antigos, o que gera inúmeras alergias. Outra estatística alarmante é o
número de casos de Alzheimer. Só na França a previsão é de que haverá 2
milhões de doentes até 2020.
Todas essas transformações somadas, segundo Bouvet, tornam impossível
sustentar a ideia de que o homem moderno permanece sem mudança evolutiva
desde o período neolítico. Para o pesquisador, a seleção natural está
sendo colonizada pela seleção social gerada pela cultura e pela
tecnologia, cujos impactos retornam e alteram o ambiente e o homem. Seu
estudo converge para a investigação paralela conduzida por geólogos da
Sociedade Geológica de Londres, como o inglês Jan Zalasiewicz, que
propuseram à Comissão Internacional de Estratigrafia o reconhecimento de
um novo período geológico, o antropoceno: a era das mudanças climáticas
e dos impactos humanos no planeta.
Pouco otimista, Bouvet acredita que estamos diante de uma nova
situação no plano evolutivo. O Homo sapiens (Homem sábio) estaria
virando Homo perturbatus (Homem perturbado). “Estamos assistindo a um
processo de novo tipo: o homem, agora, está sob a infl uência de coisas
que ele mesmo causou. Nesse sentido, não me parece ilegítimo falar de
“retroevolução”, porque se trata de uma evolução para trás, um tipo de
feedback. Esse fenômeno não tem feito outra coisa a não ser se
amplificar.”
Mutação química
Para chegar à conclusão controversa (leia na página ao lado), o
cientista francês identificou como vetores da retroevolução biológica
uma série de substâncias desenvolvidas pela indústria química utilizada
na fabricação de objetos do dia a dia moderno. São os casos, por
exemplo, do herbicida Atrazin, do pesticida DDT, do fungicida
Vinclozolin, do componente de policarbonato bisfenol A, dos compostos
ftalatos e dos conservantes parabenos. Segundo Bouvet, conservantes,
estabilizantes, pesticidas e antibióticos ingeridos na alimentação
industrial urbana ou absorvidos pelo contato com objetos de consumo
geram a poluição responsável por mudanças cumulativas que alteram o
sistema endócrino e hormonal humano.
Há tempo ainda para evitar o Big Bang químico? Ou ele é inexorável? De
saída, o biólogo adverte: “Não estou propondo viver sem
antibióticos, mas, simplesmente, utilizá-los com sabedoria”. Preferir
alimentos frescos a enlatados, evitar bebidas em embalagens que tenham o
símbolo “PC” (de policarbonato), reduzir o contato com recipientes e
brinquedos plásticos são providências que podem ser adotadas. O
exercício do consumo consciente também ajudaria.
Ao mesmo tempo que questiona o futuro imprevisível da espécie,
Bouvet também ironiza a medicina contemporânea que, atenta a todos os
males, oferece a possibilidade de fabricar espermatozoides em
laboratório a partir de células-tronco (já bem-sucedidas com ratos) e,
em breve, engendrar úteros artificiais. “Dessa maneira teremos uma
dissociação total entre sexualidade e reprodução”, ressalta.
Segundo o neurobiologista, mesmo interconectada virtualmente a
humanidade continua a ser um grande corpo sem cabeça – “de certa forma
desprovida de inteligência coletiva”. Só uma tomada de
consciência global, que leve a medidas drásticas de âmbito
planetário, poderia limitar a intensidade da modificação química que
afeta o ambiente, diz o cientista. Mas mesmo que muitos indivíduos
tenham consciência dos perigos que engendramos, a chance de tudo
continuar como está é grande. Como já fez antes, o homem tentará se
adaptar às adversidades do jeito que conseguir, já que não há manual
para a evolução. “Que pressões climáticas, econômicas, sanitárias,
demográficas, alimentares ou energéticas teremos que encarar? A verdade é
que não sabemos.”
Jean-François Bouvet afirma que a poluição química afeta a todos
Populações não industrializadas que mantêm hábitos alimentares tradicionais vivem as mudanças indicadas na sua pesquisa?
Bouvet: Mesmo que existam regiões menos poluídas do que outras, ninguém está totalmente ao abrigo, porque respiramos a mesma atmosfera e os oceanos se comunicam. É por intermédio da alimentação que se estabelece uma diferença: aqueles que podem consumir bioalimentos orgânicos, que contêm pouco ou nenhum pesticida, estarão menos submetidos aos efeitos dos produtos químicos dos quais a agricultura intensiva abusa.
Bouvet: Mesmo que existam regiões menos poluídas do que outras, ninguém está totalmente ao abrigo, porque respiramos a mesma atmosfera e os oceanos se comunicam. É por intermédio da alimentação que se estabelece uma diferença: aqueles que podem consumir bioalimentos orgânicos, que contêm pouco ou nenhum pesticida, estarão menos submetidos aos efeitos dos produtos químicos dos quais a agricultura intensiva abusa.
Como a comunidade científica reagiu ao seu livro? O que pensaremos de suas ideias daqui a meio século?
Bouvet: Minha obra ainda é muito recente. Em todo o
caso, até o momento, não recebi nenhuma objeção grave. Seja como for, os
fatos estão aí. Quanto a saber o que pensarão de minhas ideias daqui a
meio século, repito o que sublinhava Mark Twain: “A arte da profecia é
extremamente difícil, sobretudo no que diz respeito ao futuro”.
Há conexão entre o seu trabalho e o dos geólogos que estudam o período antropoceno?
Bouvet: Totalmente. Trata-se do mesmo tipo
de aproximação. O fato marcante é que o planeta nunca carregou tantas
marcas da ação humana, para o bem e para o mal.
Fonte: Site da Revista Planeta
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