DA POESIA
A poesia é o carnaval e o funeral da vida,
a dispersão febril das cinzas,
o aspergir sutil da consciência,
galáctica e puntual,
da metrópole ou da periferia,
a poesia é o sinal que reluz e ressuscita.
Contida, panfletária, flama e aço,
é o laço que prende e solta a asa,
e engole a paisagem imensa,
asfáltica, amazônica, essencial,
e sobrevive,e cresce e intumesce,
pulsando o imaginário sem tempo,
sonolenta, ácida e fugidia.
Poesia é o pão da alma,
é o elo humano do idílico, do esotérico.
Nela cabe o mundo, o fungo do cadáver,
a aura febril do recém-nascido,
a chave excitante da viagem erótica da palavra e do enigma.
A poesia ara o campo, reflete a senda e sua origem, semeia.
É um ir e voltar, sempre, como nuvem,
um escuro necessário e pesado sobre a luz do dia
ou um raio, um ritual sobre o desejo esparramado
e incontido dentro dela.
Irrequieta, arquiteta das emoções primeiras, das primazias,
confluência dos encontros e caminhos,
é arma que brande e tece a rima de novos caminhos,
peita a hipocrisia, a História e os sistemas.
É heresia a poesia, concreta, do dia-a-dia sombrio,
exala o sêmen da criação e o abortar da palavra não dita,
e cinge o nó que revigora a alma que escreve e ama.
Nela cabe tudo e extravasa e tudo pulveriza
Nela, lembrança e o pó do tempo tomam corpo sobre a mesa.
Nada cala um poema,
serena, a poesia clama a chama,
incendeia, é arma que atira e acorda a realidade
esdrúxula, descontrolada e sem lapso,
ao tempo engole e é compasso, é colapso.
E a alma do poeta é grande, elástica,
das divagações exóticas da sílaba aos rumores
eróticos da palavra.
A ele, poeta verdadeiro, não importa o tempo
nem a fantasia do sucesso,
poesia é sempre avesso,
nem sempre verso,
é a inquietação ante ao ultraje.
Resoluta e destra,
é santa ou puta, porém sempre certa,
é a hipocrisia das sensações,
caudal de lembranças que o dinheiro não compra
e não acaba,
é a grande vaga,
que varre a tentação, dá sobrevida,
e a cada passo, é liberdade ou ladainha sem fim
para os conformados.
Poetas, os casaldáligas, os thiagos, os operários,
provocadores da construção de um novo tempo,
de um novo ritmo que todos dancem,
onde liberdade é ver-se outro no espelho,
ser parte da paisagem sem ser paisagem,
ter o pé na alma e no limo,
sem perder a brancura da viagem,
ou a escureza da sensação que mostra o caminho da luz que,
se não clareia, transforma.
(Vicente Cariri, Alma Assoreada, 2007)
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