Cocaína “fraca” (de baixo teor tóxico) não gera crime
LUIZ FLÁVIO GOMES*
A UOL noticiou (08.03.11) o seguinte: Traficante é absolvido na Espanha por vender cocaína “fraca”
“Um juiz do Supremo Tribunal de Madri absolveu um traficante acusado de vender cocaína porque a droga era tão adulterada que “não chegava a representar um risco para a saúde pública”.
“De acordo com a sentença judicial, publicada no Diário Oficial nesta segunda-feira, a cocaína apreendida não alcançava os níveis mínimos para ser classificada como tóxico.
“O traficante, um imigrante romeno cujo nome não foi divulgado pela justiça, foi preso em flagrante em 2008, após ter vendido papelotes de cocaína em Madri.
“No entanto, o laboratório de toxicologia da polícia identificou apenas 11,7% de pureza na quantidade apreendida, nível considerado insuficiente para classificar a substância como tóxica.
Nova decisão
“Após ser condenado em 2008 a três anos de prisão por delito contra a saúde pública, o traficante apelou da sentença, alegando que a droga era fraca. Com isso, conseguiu um novo julgamento e foi absolvido.
“A decisão do tribunal afirma que “a sentença revoga a anterior porque a quantidade apreendida está claramente abaixo do limite de toxicidade para ser considerada risco para a saúde pública.”
“Para a Justiça espanhola, o tráfico tem que estar caracterizado pelos graus de pureza do entorpecente e pela quantidade de droga encontrada com o portador: 50 miligramas de cocaína, 40 miligramas de haxixe e 10 miligramas de êxtase.
“Se a quantidade apreendida for menor que esta classificação, a lei a considera consumo e não tráfico, portanto não há penalização já que o consumo não é considerado crime no país.
Comentários do Professor Luiz Flávio Gomes:
O que fez a Corte Suprema espanhola? Aplicou o princípio da insignificância. Substância entorpecente com baixo teor de toxidade não é suficiente para caracterizar o crime de tráfico de entorpecente. A jurisprudência espanhola, diferentemente da brasileira, há muitos anos admite a insignificância, inclusive no crime de tráfico. Por quê?
Porque estamos diante de um crime de “posesion”, ou seja, a simples posse de uma coisa já é crime. No homicídio há uma lesão efetiva a uma vida. Na tentativa de homicídio há um risco concreto para a vida alheia. Na posse de droga há um perigo de risco concreto para a vida alheia (perigo de perigo).
Você pode perceber que quando a lei pune a simples posse da droga ela pune o “perigo de perigo”. O sujeito ainda não matou ninguém. O sujeito não colocou em risco concreto a vida de ninguém. Só o perigo de que esse risco possa ocorrer já é punido pela lei. Esse perigo seria abstrato ou concreto?
A doutrina e a jurisprudência brasileiras afirmam tratar-se de um perigo abstrato (não dão o devido valor para o princípio da ofensividade). A simples posse de uma droga, independentemente do seu teor tóxico, já seria crime. Perigo abstrato, portanto (que é inconstitucional). Não é assim que se comporta a jurisprudência espanhola, que trabalha com o correto conceito de perigo concreto (respeitando o princípio constitucional da ofensividade).
A substância deve ser efetivamente (concretamente) tóxica, com nível de risco real (para a saúde pública), para ser considerada criminosa. Disso cuidei na minha tese de doutoramento, sustentada em 01.02.2001, na Universidade Complutense de Madri. Trabalhei com toda essa clássica jurisprudência espanhola. Também no nosso livro sobre a lei de drogas (RT). Temos escrito muito sobre o tema. Mas, como dizia Nietzsche, com a consciência de se trata de obra póstuma!
Outro detalhe importante: a posse de droga para uso pessoal na Espanha não é crime (no Brasil esse tema continua confuso). E lá, ademais, o critério (para distinguir o traficante do usuário) é o quantitativo: 50 miligramas de cocaína, 40 miligramas de haxixe e 10 miligramas de êxtase. Abaixo disso trata-se de posse para consumo, que não é crime.
Temos muito que aprender com a Espanha nessa área bastante tóxica do mundo das drogas. Avante!
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