sábado, 19 de maio de 2012

O MAU DO HUMOR




“Eu nunca sonhei com você, nunca fui ao cinema, não gosto de samba, não vou à Ipanema, não gosto de chuva nem gosto de sol. E quando eu lhe telefonei, desliguei, foi engano. O seu nome, não sei”. O compositor Tom Jobim podia não sofrer de nenhum transtorno do humor, mas a letra de sua Lígia encarna com propriedade um narrador com tal perfil: não vê esperanças no futuro, não gosta de se divertir, tem dificuldade de se relacionar e, inseguro, teme se expressar e, com isso, perde oportunidades. Se fosse possível fazer o diagnóstico desse personagem
fictício, algum psicólogo ou psiquiatra diria estar diante não de um “chato”, mas de um portador de distimia. E esse problema não é uma ficção. Acomete cerca de 5% da população mundial e, como todo tipo de depressão, apresenta um elevado risco de complicações como suicídio – até 15% dos casos –, doenças cardiocirculatórias, dependência do álcool e outras drogas, distúrbios da personalidade e depressão profunda.


Engana-se quem imaginar que se trata de uma doença dos tempos modernos. A palavra distimia vem do grego e significa algo como mau humor. Na antiga Grécia, aliás, ela já era considerada um distúrbio semelhante à depressão clássica. “A diferença entre depressão propriamente dita e a distimia e que essa, de modo geral, não causa um prejuízo tão pronunciado. Em compensação, como se se trata de um estado crônico, de intensidade moderada e de curso variável, ela é mais arrastada e leva cerca de dois anos para ser caracterizada, o que torna mais difícil o seu diagnóstico” – explica o doutor Ricardo Moreno, coordenador do Programa de Transtornos Afetivos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). “Por isso, muitas vezes o diagnóstico é dado durante uma psicoterapia, daí sendo o paciente encaminhado para um psiquiatra para um tratamento medicamentoso, a base de antidepressivos” – completa a psicoterapeuta Dulcinea Fernandez.

Da água para o vinho – Outra circunstância que dificulta a definição do diagnóstico é, segundo os especialistas – psicólogos, terapeutas e psiquiatras –, o fato de os distímicos e as pessoas que com eles convivem entenderem que esse estado de pessimismo, mau humor crônico, insatisfação generalizada e incapacidade de aproveitar a vida seja resultado de uma timidez natural ou de uma personalidade difícil. Não é bem assim. “Todos nós temos direito a momentos de mau humor, de crítica e isolamento. É, também, normal ficarmos tristes diante de uma perda. Mas quando essa sensação se instala de forma crônica, persiste por mais de dois anos, vale a pena investigarmos. Caso contrário, vamos passar a vida sem desfrutá-la. Isso sim é triste!” – avisa o doutor Ricardo.

Os resultados de um tratamento adequado, com antidepressivos, costuma dar resultados e restituir a alegria de viver aos pacientes. Foi assim, por exemplo, com o funcionário público Isaias Silva, de 60 anos, casado e pai de cinco filhos, que sofria de distimia desde a adolescência e só descobriu o problema na idade madura, após três anos de psicoterapia. “Foram mais de 40 anos de insatisfação, de uma sensação de não poder fazer o que eu queria, de inferioridade e de dificuldade nos relacionamentos. A gente acaba se acostumando e aceitando que somos assim mesmo. Através da psicoterapia, no entanto, fui encaminhado para uma psiquiatra. Nesses dois últimos anos de tratamento, minha vida teve um extraordinário salto de qualidade. Minha mulher e meus filhos dizem que eu fiquei mais participativo e menos retraído” – afirma Isaias.

Sem dependência – Mas quem se deu melhor, claro, foi o próprio Isaias que, finalmente, se viu livre da dependência do álcool – que o levou a uma pancreatite e à retirada do baço – e do cigarro. O próximo desafio do funcionário público será, no futuro, passar a não depender mais dos antidepressivos. “Ele será retirado aos poucos, de acordo com a recomendação médica, para que a vida seja totalmente normal” – diz ele. É o que, também, os especialistas desejam para seus pacientes. “Ao contrário do que algumas pessoas pensam, os antidepressivos não causam dependência, mas um tratamento medicamentoso, nesses casos, devem ter um começo, meio e fim, e as doses são administradas de acordo com a sua eficácia, a tolerabilidade do paciente e os seus efeitos colaterais” – argumenta o doutor Ricardo.

Fonte: Revista Família Cristã Online

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