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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A Constituição Federal e o Exame de Ordem



POR LUIZ OLAVO BAPTISTA
A Constituição Federal dispõe no seu artigo 5º Inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
A liberdade de exercício do trabalho, na maioria dos países, em especial nos mais desenvolvidos, é limitada às pessoas qualificadas para isso. De um lado, preserva-se a possibilidade de acesso a toda e qualquer profissão, garantia constitucional ligada ao direito de trabalhar, de outro, as regras que delimitam a eficácia da norma constitucional, e visam à proteção ao público, impondo a aferição das qualificações profissionais.
No direito, como medicina, as faculdades (ou universidades) ensinam a disciplina, e depois, em cursos ou outro modo, aprende-se a profissão.
No Reino Unido, ao terminar um curso de direito, o estudante pode escolher entre preparar-se para ser um “barrister” ou um “solicitor”. Precisa fazer um curso e submeter-se a um exame, mesmo que tenha concluído uma faculdade. O mesmo ocorre na França e na Alemanha. Em Portugal, a Corte Constitucional impôs que o exame fosse estabelecido por lei. Nos Estados Unidos, não somente há a exigência do Exame de Ordem, como a do aperfeiçoamento constante dos advogados como condição para exercício da profissão. Na Espanha, a lei nº 34, de 2006, regula o acesso à profissão de advogado, impondo o ensino e aferição do aprendizado. E na Itália, há uma avaliação, similar ao Exame de Ordem, que deve ser feito pelos que tenham um diploma de direito, após um estágio de, no mínimo, dois anos, nos quais devem ter feito mais de 20 audiências, escrito quatro relatórios, entre outros requisitos. No Japão também se exige o Exame de Ordem e há pouco se aumentou o nível de exigência do mesmo.
Assim, por toda parte há uma clara distinção entre o diploma e a qualificação profissional. No Brasil, muito adequadamente, o Exame é exigido no artigo 8º, IV, da Lei nº 8.906, de 1994 e como ocorre nos países citados e, em muitos outros, para fazer o Exame de Ordem é preciso ter estudado direito. Contra a existência desse requisito legal, perfeitamente constitucional, ergueram-se vozes de candidatos fracassados nos exames e de grandes interesses econômicos. Tratam-se das numerosas faculdades privadas, que muitas vezes não cumprem o dever de ministrar um ensino eficiente de direito, e, ao invés, se concentram com vigor na cobrança de anuidades e outras taxas. É em auxilio à falácia propalada por esses interessados que um subprocurador federal opinou que “o diploma é, por excelência, o comprovante de habilitação que se exige para o exercício das profissões liberais. O bacharel em direito, após a conclusão do curso, deverá, ao menos em tese, estar preparado para o exercício da advocacia e o título de bacharel atesta tal condição”. Diz mais, que “não se pode admitir seja o Exame de Ordem instrumento de seleção dos melhores advogados (critério meritório). Se assim considerado, mais flagrante se tornam a indevida restrição à escolha profissional e o caminho para intolerável reserva de mercado”.
A afirmação de que o diploma de bacharel é um comprovante de atitude para o exercício da profissão de advogado não corresponde à realidade. A Constituição não diz que é livre o exercício de qualquer profissão a quem tenha um diploma. Ela diz claramente que o exercício dessa liberdade é condicionado ao preenchimento dos requisitos da lei para proteger o interesse público. Como em todo o mundo civilizado, hoje as faculdades dão apenas um certificado de que uma pessoa concluiu seu curso de direito. O exercício da profissão de advogado – que segundo a Constituição é indispensável à administração da Justiça – pode, pela lei, estar sujeito a um exame que comprove a possibilidade de prestar serviços ao público. O argumento da “intolerável reserva de mercado”, despido de qualquer valor jurídico, não se sustenta porque a Ordem não seleciona os melhores advogados nem limita o acesso à profissão. Ela examina os bacharéis para saber se eles têm as qualificações necessárias para serem advogados, ou seja, para exercer a profissão. A experiência mostra que a maioria dos que tem um diploma não o merecia, e nem tem a qualificação necessária para o exercício de uma profissão que deve servir para proteger os cidadãos e garantir-lhes direitos fundamentais. Trata-se do que Noberto Bobbio chama de função promocional do direito. O interesse público por essa promoção aparece em outras normas, como as do art. 4º da lei nº 8.904, e do artigo 307 do Código Penal.
A exigência de uma qualificação adequada em serviços de utilidade pública não existe para criar uma “reserva de mercado”, mas isto sim para proteger o público, em especial as pessoas de menores recursos da incompetência e da ignorância de alguns bacharéis. Causa, assim, certa preocupação que num momento em que se deveria discutir reformas no ensino jurídico para aprofundamento das habilidades relevantes à profissão, seja aventada a possibilidade de retrocesso, transferindo à sociedade o ônus de realizar a primeira triagem daqueles que hão de defender seus mais caros.
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LUIZ OLAVO BAPTISTA é sócio do L.O. Baptista Advogados, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, foi membro e presidente do Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Fonte: Valor Econômico, edição 11/08/2011.

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