O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou, por
unanimidade, o SBT a pagar indenização por dano moral e material aos
herdeiros do dublador do programa “Chaves” e “Chapolin”, que já morreu.
De acordo com o relator da Apelação, o juiz convocado Helio Faria, a
emissora afrontou a Lei de Direito Autoral ao reexibir episódios com a
voz do dublador sem a sua autorização. Além disso, a emissora usou
músicas do artista sem atribuir crédito ou efetuar pagamentos devidos.
Da decisão ainda cabe recurso.
Em primeira instância, o juiz da causa entendeu
que o SBT não era parte legítima no processo, conforme o artigo 267,
VI, do Código de Processo Civil, pois uma empresa contratada fez a
dublagem e sonorização do programa mexicano. Assim, a TV não teria
responsabilidade quanto ao direito violado, considerando que o autor
deveria buscá-lo junto àquelas empresas. A empresa de sonorização e
dublagem tinha como sócio o próprio dublador. O juiz adotou a mesma
posição em relação à responsabilidade do SBT na execução das músicas
interpretadas e criadas pelo artista para os personagens Kiko, Chiquinha
e Madruga.
A 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, no entanto,
reverteu a sentença e decidiu que a responsabilidade da emissora existe,
sendo ela parte legítima para atuar no processo. O relator cita o
professor Cândido Rangel Dinamarco, que define que a legitimidade para o
processo pode ser observada pela relevância que o resultado da causa
terá sobre a esfera de direitos das partes, favorecendo ou restringindo.
“Daí a conceituar-se essa condição da ação como relação de legítima
adequação entre o sujeito e a causa.”
A cada exibição do programa
há um ganho econômico da emissora, que reflete em aquisição de direitos
patrimoniais a serem repassados aos titulares da obra. Ainda de acordo
com o tribunal, esse entendimento justificaria dizer que a emissora é
também a responsável pelo pagamento de indenização por direitos
autorais. E, mesmo sendo contratada uma empresa terceira para a
dublagem, o fato não a desobriga de repassar tal ganho aos artistas.
“Pouco importa que o apelado tenha contratado terceiro para a
sonorização dos programas, podendo voltar-se contra quem de direito na
via adequada, para exercer eventual direito de regresso.”
De
acordo com o processo, o trabalho de dublagem foi contratado pela
emissora, tendo ocorrida a devida remuneração já que a empresa tinha
como sócio o próprio dublador. A ofensa aos direitos conexos, portanto,
se fundamentaria apenas na exibição do programa “Chaves” e “Chapolin”,
onde os créditos não foram incluídos.
No entanto, com a vantagem
econômica obtida com reexibições, “a não remuneração aos apelantes
configuraria enriquecimento sem causa, o que é vedado pelo ordenamento
jurídico”. Assim, a ofensa aos direitos autorais passa a ser
fundamentada pelas reprises dos programas, com músicas de autoria do
artista sem a devida autorização e remuneração.
Direitos Conexos
Ao reexibir o programa, a TV tem ainda o dever de observar não
só os direitos do autor, mas os direitos conexos à obra, como de
“intérpretes ou executantes”, conforme artigo 89 da Lei 9.610/98. Esses
direitos conexos relacionam-se a todos os “atores, cantores, músicos,
bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem,
declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou
artísticas ou expressões do folclore”, descreve o artigo 5º, XIII, da
Lei de Direitos Autorais.
A garantia aos direitos autorais é
constitucional, prevista no artigo 5º, XXVII, e por legislação especial
(Leis 5.988/73 e 9.610/98). Já quanto à violação de direitos conexos, a
legislação brasileira não define sua forma de indenização, dependendo de
interpretação. Uma alteração feita em 2009, com a Lei 12.091, inclui a
necessidade de se mencionar em cada cópia da obra o nome dos dubladores,
concedendo a eles o devido crédito. A dublagem, portanto, fica evidente
como direito conexo ao direito do autor, pois sua voz se torna
conhecida do público.
A obrigatoriedade de registro das obras é
uma opção do autor, não sendo elemento indispensável para a proteção de
seus direitos. Mas a autorização prévia do autor é essencial para
utilização direita ou indireta da obra. A lei considera ainda que a
morte de qualquer participante da obra artística não é obstáculo para
sua exibição pelo autor, mas a remuneração prevista deve ser efetuada
para os sucessores (art. 92, parágrafo único).
Os herdeiros do
autor têm os direitos morais ou patrimoniais em reexibições da obra. O
prazo para proteção desses direitos é de 70 anos, contados a partir de
1º de janeiro do ano seguinte à sua morte, observando os direitos dos
sucessores.
O dano material indica a remuneração pela reexibição
dos programas e pela utilização da música do autor. O valor considerado
para o caso foi fixado em R$ 100 mil, acrescido de correção monetária.
Já o dano moral, no entendimento do tribunal, está relacionado
constitucionalmente à dignidade humana. “Temos hoje o que pode ser
chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade, a qual deu ao
dano moral uma nova feição diante do fator de ser ela a essência de
todos os direitos personalíssimos honra, imagem, nome, intimidade,
dentre outros.” A indenização por dano moral, verificada a violação,
impõe-se a devida reparação foi fixada em R$ 50 mil, com a correção
monetária.
Líliam Raña ( revista Consultor Jurídico).