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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Sobre tragédias, (in)certezas e o imponderável

O imponderável é o deus da certeza

Gela, Sicília.

Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2009. Era para ser mais um dia de tantos iguais. Mulher, pouco mais de 40 anos. Arranjara um bico, copeira em festa de bacana em Botafogo. Com o dinheirinho, planos para um Natal mais gordo, com peru, farofa e brinquedo para o filho. Não que tivesse um só, mas aquele, tal qual fizera Deus com Abel, fora o escolhido da vez. Talvez sobrasse algum para ajudar o marido com o material de construção, ainda refletiu. Trabalho terminado. Início da madrugada. Subiu no ônibus. Poucos pensamentos e minutos depois, o estrondo. Uma pedra, pesando 20 quilos, certeira em sua cabeça, acabou com ela e com o sabor antecipado de peru recheado com farofa.

Gela, província de Caltanissetta, Sicília, 455 a.C.. O dia estava soberbo. A brisa do Mediterrâneo acariciava a face barbada e a calva do grande dramaturgo grego. Partira de Atenas incontáveis dias antes. A caminhada, antecipando o peripatético conterrâneo Aristóteles, sempre fora, desde Os persas, o artifício inspirador de suas Tragédias. Aquele dia não seria diferente. Caminhar, esboçar, mentalmente, os diálogos de Prometeu Acorrentado e arranjar algo para comer. Ledo engano. Muitos pensamentos e minutos depois, o estrondo. Desgarrada de uma águia, a carapaça de uma tartaruga fez da cabeça de Ésquilo o seu alvo acidental. Inerte, jazia o corpo no solo quando sicilianos o encontraram. Metatragédia?
 
Fonte: Blog Amigo de Montaigne

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Duas perguntas a Otfried Höffe

Otfried Höffe


Otfried Höffe é professor titular de filosofia na Universidade de Tübingen, e conhecido como um dos maiores expoentes, na Alemanha, da Filosofia Política, que enfoca o Estado e o direito, e da Filosofia Moral.

Deutsche WellePara que precisamos da filosofia ainda hoje, ou especialmente hoje?

Otfried Höffe: A filosofia se debruça sobre questões fundamentais de todo o nosso mundo, seja o mundo natural, o social ou o da linguagem. Ela se volta tanto para a vida cotidiana como para a política, a ciência, a medicina e a técnica, bem como para a música, a literatura e a arte. O contemporâneo atento vê em todas essas áreas uma quantidade tal de problemas, que a filosofia é altamente solicitada, das mais diversas maneiras.

Aqui apenas alguns exemplos: 1) Como se pode imaginar o universo antes do Big Bang? De onde vem o que existia antes dele? 2) A neurociência coloca em questão a liberdade e a responsabilidade humana? 3) Como é possível uma coexistência pacífica de culturas diferentes? 4) Como tornar humanas as megalópoles, do ponto de vista arquitetônico e social? 5) A partir de que ponto se pode dizer que a vida humana dispõe da proteção total da dignidade e dos direitos humanos?

Quais são as tendências da filosofia, mais especificamente da filosofia do direito, hoje na Alemanha?

Os temas focais na Alemanha são, por um lado, a história da filosofia em suas diferentes épocas e suas figuras de destaque – em especial Platão e Aristóteles, Kant e o Idealismo alemão, sem que se esqueçam a Alta Antiguidade e a Idade Média, o começo da Era Moderna, os clássicos anglo-americanos ou Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl e Martin Heidegger.

Por outro lado, existe uma filosofia sistemática não menos intensiva e multifacetada. Entre esses dois lados há ligações estreitas, visto que um pensamento sistemático inteligente se faz inspirar pela consciência de problemas que tiveram seus predecessores, e portanto procura um diálogo com eles, em vez de se contentar com a consciência de problemas de seus contemporâneos, por vezes um tanto fortuita.

Focos da filosofia sistemática são, por exemplo, a teoria do conhecimento e a filosofia da mente, incluindo uma teoria das emoções e a análise diferencial da inteligência humana e animal. O amplo campo da filosofia prática é discutido com especial intensidade. Na ética (fundamental) discute-se o relacionamento entre eudaimonia (felicidade) e autonomia, além da fundamentação do direito, do Estado e de uma ordem jurídica global; por fim, discutem-se tópicos da ética aplicada, como a ética econômica e, mais ainda, a ética médica.

Alguns dos filósofos mais jovens são mais familiares com a tradição anglo-americana do que com as tradições alemãs, francesas ou da Antiguidade. Contudo os mais inteligentes entre eles não se curvam diante desse novo grande provincianismo – em geral, tematicamente estreito e de abordagem empírica. Eles são plenamente capazes de argumentar analiticamente, sem, no entanto, renunciar às constatações da filosofia transcendental, da fenomenologia ou da hermenêutica.

Como a filosofia apela à razão e experiência comuns a todos os humanos, ela está atada a um espaço linguístico e cultural, num sentido essencial. Do mundo germanófono derivam algumas correntes filosóficas de importância extraordinária, e pensadores excepcionais. Felizmente eles se tornaram, em razão de sua excelência, um bem comum do patrimônio filosófico global. Os textos e pensamentos de Gottfried Leibniz, Immanuel Kant e dos filósofos idealistas alemães, especificamente de Friedrich Hegel, além de Schopenhauer, Nietzsche, Husserl e Heidegger, assim como da Escola de Frankfurt, de Ludwig Wittgenstein e do positivismo lógico, são estudados e cultivados em muitos lugares do mundo.


Trecho de entrevista concedida à Deutsche Welle
Fonte:  http://www.dw-world.de 

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