terça-feira, 12 de julho de 2011

Edmundo mata no trânsito e fica impune (artigo do Professor Luiz Flávio Gomes)

Reproduzo aqui um esclarecedor artigo de autoria do Professor Luiz Flávio Gomes acerca dos problemas nacionais com a violência no trânsito, tomando como exemplo o caso Edmundo.
 



Edmundo gerou, no trânsito, a morte de três pessoas. Feriu outras três. A impunidade de todos esses crimes está mais do que garantida, em razão da morosidade da Justiça. O STJ demorou 12 anos para julgar os seus recursos.
Um caso chocante como esse deveria servir de divisor de águas: todos nós deveríamos ocupar as ruas do país para fazer uma marcha contra as mortes no trânsito brasileiro, um dos mais violentos do mundo.
O Brasil já é o 3º no ranking mundial dos países que mais matam em decorrência de acidentes no trânsito. Com 38.273 mortes em 2008[1] (dados oficiais do Datasus - Ministério da Saúde), fica atrás apenas da Índia (118 mil pessoas/ano) e da China (73.500 pessoas/ano)[2], ultrapassando até mesmo os Estados Unidos, com 37.261 mortes/ano[3] (embora sua frota de veículos seja quatro vezes maior que a brasileira).
O Brasil conta com aproximadamente 65 milhões de veículos, contra 250 milhões nos EUA. Mesmo com uma frota inferior à dos Estados Unidos, o Brasil mata 5,5% a mais que o trânsito americano.
Número de mortes/100mil veículos Brasil x EUA (2008): no Brasil temos 70,2 mortes para cada 100 mil veículos. Nos EUA, 14,5 mortes/100mil veículos.
Comparando-se o Brasil com a União Europeia as diferenças são também descomunais: vejamos a evolução (involução) no número de mortes na União Europeia:
? 1991: 75.400
? 1996: 59.400
? 2001: 54.000
? 2009: 34.500
? 2010 (estimativa): 32.786
A Taxa Média Anual de Redução do número de mortes da União Europeia é de, aproximadamente, 5% (calculada com base nos dados de 2000 - 2009).
Comparemos com o número de mortes no Brasil:
? 2000: 28.995
? 2008: 38.273
? 2010 (estimativa): 40.559
No período de 2000-2008 o aumento foi de 32% no número de mortes viárias no país.
Taxa média anual de crescimento do número de mortes do Brasil: aproximadamente 2,9% (calculada com base nos dados de 2000 - 2008).
Projeção: com o atual ritmo de crescimento (2,9% ao ano), pode-se afirmar que o Brasil chegará (aproximadamente) a 173.000 vítimas fatais em 2060, totalizando um aumento de 496% em relação ao ano 2000.
No caso da Europa, se o ritmo de redução de mortes no trânsito permanecer estável nos próximos 50 anos, estima-se que o total de vítimas fatais cairá para aproximadamente 2.500 por ano em 2060, totalizando uma redução de 95% em relação ao ano 2000.
A fórmula para enfrentar a mortandade no trânsito brasileiro não está funcionando bem. A fórmula é a seguinte: EEFPP: Escola, Engenharia, Fiscalização, Primeiros socorros e Punição.
A prescrição do poder punitivo do Estado no caso Edmundo revela que a punição no Brasil é ainda um grave problema. Isso é coisa típica de país subdesenvolvido. Aliás, como mostraremos em outro artigo brevemente, o número exagerado de mortes no trânsito é típico de países atrasados e desorganizados. O Brasil está atrás da China e da Índia. A mortandade no trânsito revela o quanto o Brasil é ainda um país desorganizado. Progresso (econômico), desordem e atraso.


[1] Fonte: Dados extraídos do DATASUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde) do Ministério da Saúde

[2] Fonte: New York Times- http://www.nytimes.com/2010/06/08/world/asia/08iht-roads.html?_r=1&pagewanted=1&em

[3] Fonte: NHTSA - National HIghway Traffic Safety Administration: http://www.nhtsa.gov/


Jornal Carta Forense, segunda-feira, 4 de julho de 2011


segunda-feira, 11 de julho de 2011

Pode a legislação infraconstitucional vedar a concessão da tutela de urgência em ações constitucionais?




Por Rogério Rocha

As ações constitucionais, dado seu caráter instrumental, funcionam como verdadeiros mecanismos de proteção e realização de direitos, dentre eles figurando os direitos fundamentais. Tem por escopo as mesmas, portanto, em primeiro plano, cobrar a adoção de medidas por parte do Estado contra violações praticadas pelo Poder Público (o próprio Estado) ou por particulares.

Em geral, todos os direitos fundamentais são passíveis de restrições. Decerto que há leis infraconstitucionais que impõem determinados limites – expressos geralmente em forma de vedações – ao exercício do direito de ação, delimitando as condições em que se dará a busca da prestação jurisdicional.

O que não se deve admitir, porém, sob pena de inconstitucionalidade, é que tais vedações violem os princípios que fundamentam a Carta Magna brasileira, inviabilizando assim a efetivação dos valores nela sistematizados, sobretudo aqueles que positivam e manifestam os direitos fundamentais.

 Se o texto da Constituição traz em si vedações em relação a determinados conteúdos ou matérias, dentre estas os próprios direitos e garantias fundamentais – e aí estariam inclusas as ações constitucionais – deve-se entender, por conexão lógica, e desde que em estrita consonância com o sentido da norma emanada da lei Maior, que a legislação infraconstitucional pode conter também vedações à concessão da tutela de urgência em ações constitucionais.

Na lição do ministro do STF, Gilmar Mendes, “em algumas situações, é possível cogitar de restrição de direitos fundamentais, tendo em vista acharem-se os seus titulares numa posição singular diante dos Poderes Públicos.”[1]

Sabe-se, entretanto, que, presentes os requisitos do periculum in mora e do fumus boni júris nas ações constitucionais, devida será a concessão da tutela judicial por elas perseguida. Inclusive as tutelas de urgência.

O Supremo Tribunal Federal já, por várias vezes, se pronunciou sobre o tema, entendendo não haver qualquer inconstitucionalidade no tocante a lei geral restringir a tutela de urgência[2], pronunciando-se inclusive pela constitucionalidade de lei que veda a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública (Lei 9.494/97), tendo por base a possibilidade de violação sistemática do precatório[3].

Embora justificada constitucionalmente, constituindo-se em eficaz medida para prevenir e evitar a famigerada “guerra de liminares” – que por vezes parece se disseminar em nosso ordenamento, ameaçando a estabilidade das relações sociais e a própria segurança jurídica – entendemos que a vedação de liminar em ação constitucional deva ocorrer apenas em circunstâncias concretas específicas, privilegiando-se sempre uma interpretação ampliativa das garantias previstas no artigo 5º da Constituição Federal.

 Assim sendo, em nosso ver, tais vedações devem dar-se num grau mínimo, a fim de que se promova ao máximo a finalidade instrumental das ações constitucionais na defesa dos interesses e liberdades fundamentais. Pois como bem assevera a professora Geisa de Assis Rodrigues, “nas mais variadas situações em que há o embate entre diversas interpretações possíveis, sempre devemos optar por aquela que enseja a maior proteção aos direitos fundamentais, inclusive quanto à ampliação das ações constitucionais.”[4]



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p.281.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Reflexões em homenagem ao professor Pinto Ferreira: as ações constitucionais no ordenamento jurídico brasileiro. Material da 2ª aula da disciplina Direitos humanos e Direitos fundamentais, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direito Constitucional – Anhanguera – UNIDERP/Rede LFG.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 223/DF. Rel. Min. Paulo Brossard. Rel. p/acórdão Min. Sepúlveda Pertence. Pleno.  DJ 29/06/1990.
_________________________________. ADC 4/MC – DF. Rel. Min. Sidney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 21-05-1999.



[1] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p.281.
[2] STF, ADI 223/DF. Rel. Min. Paulo Brossard. Rel. p/acórdão Min. Sepúlveda Pertence. Pleno.  DJ 29/06/1990.
[3] STF, ADC 4/MC – DF. Rel. Min. Sidney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 21-05-1999.
[4] RODRIGUES, Geisa de Assis. Reflexões em homenagem ao professor Pinto Ferreira: as ações constitucionais no ordenamento jurídico brasileiro. Material da 2ª aula da disciplina Direitos humanos e Direitos fundamentais, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direito Constitucional – Anhanguera – UNIDERP/Rede LFG.

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