Professor defende em estudo que livros e filmes sobre ciência são mais benéficos ao aluno se o estimulam a questionar o contexto em que a obra foi feita, em vez de fazê-lo abraçar, de modo acrítico, o conhecimento científico.
Por: Thiago Camelo
Publicado em 09/05/2012 | Atualizado em 09/05/2012
Representação cinematográfica do personagem de ‘Eu, robô’, renomada novela apocalíptica do escritor de ficção científica Isaac Asimov. (foto: Teymur Madjderey/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)
No começo, o professor de física do ensino médio Adalberto Anderlini estava animado com a ideia de usar obras de ficção científica para estimular os seus alunos a entender e se interessar por ciência. Estava tão empenhado que resolveu estudar o assunto mais a fundo em mestrado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo.
A fascinação pela ciência debilitaria a autonomia do estudante frente ao mundo
No decorrer do trabalho, no entanto, o barco virou e a premissa de usar a ficção científica 'apenas' como forma de cativar o aluno esmaeceu. No estudo, Anderlini defende que "por meio do cientificismo da ficção científica", leva-se o estudante a "adorar a ciência, persuadindo-o a venerá-la, em uma devoção submissa".
Para ele, essa fascinação debilitaria a autonomia do estudante frente ao mundo. Acreditar na 'verdade' do discurso científico poderia, muitas vezes, gerar insegurança no aluno diante daquele admirável, mas inalcançável, universo.
Anderlini quer a ficção científica "como uma forma de apresentar e discutir os mitos culturais que recheiam nosso imaginário".
Por que este livro ou aquele filme tratam o alienígena e o robô desta e não daquela maneira?
Com ideias assumidamente freirianas, o físico defende o despertar do aluno para "uma visão crítica de mundo". Deseja que o estudante se pergunte: por que este livro ou aquele filme tratam o alienígena e o robô desta e não daquela maneira? Qual seria o fundo cultural por trás das escolhas do autor da obra?
O físico buscou apoio nos estudos da professora estadunidense Mary Elizabeth Ginway, que pesquisou a literatura fantástica brasileira e fez alegorias com o tipo de obra que era produzida no Brasil e a natureza social do país.
Segundo Anderlini, Ginway explica que, enquanto a ficção científica dos Estados Unidos geralmente abraça a tecnologia e a mudança, mas teme rebeliões ou invasões por robôs e alienígenas, a ficção científica do Brasil tende a rejeitar a tecnologia, mas abraça os robôs e tem uma visão indiferente ou exótica dos alienígenas.
Para Ginway, continua o físico, essa visão menos alarmista de robôs e alienígenas reflete a experiência colonial brasileira, que tornou o país menos propenso a rejeitar ou temer aquilo que é diferente.
Teoria, mas com contexto
Em conversa com o Alô, Professor, Anderlini aponta as relações que tenta estabelecer com os seus alunos:
"Tento tratar mais de questões interdisciplinares, que envolvem história e sociologia. É importante haver algum contexto, como num conto de Asimov em que ele cita, com todas as letras, a Lei da Gravitação de Newton", diz o professor, referindo-se ao escritor estadunidense nascido na Rússia Isaac Asimov (1920-1992) e ao seu conto O cair da noite.
A ficção científica é usada, por exemplo, para ensinar aos alunos do último ano do ensino médio bases de física moderna. "Leio com eles As aventuras do Sr. Tompkins, obra em que o personagem visita mundos regidos por outras leis, mundos em que a velocidade da luz pode ser baixíssima", diz Anderlini, citando o livro do escritor russo George Gamow (1904-1968).
"Essa história com a velocidade da luz alterada ajuda a compreender a teoria da relatividade, que se torna algo mais palpável", completa.
Uma outra estratégia do físico em sala de aula é pedir para que os alunos escolham alguma obra de ficção científica e formulem perguntas sobre elas; dúvidas que serão discutidas durante o curso.
Uma última atividade – "Essa mais ousada", afirma Anderlini – consiste em pedir para que os alunos escrevam seus próprios contos. "Fiquei impressionado com a qualidade dos escritos, valeu a pena, é legal ver até que ponto os estudantes absorveram a linguagem científica", diz o professor, enfatizando que talvez esse tipo de exercício não fosse possível caso ele não desse aula em uma escola Waldorf, baseada na pedagogia desenvolvida pelo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925). Esse método, entre diversas características, detém-se às potencialidades de cada aluno e estimula atividades extracurriculares.
"Tudo é diferente na escola, os horários, a forma como o conteúdo é passado, então atividades como as que faço são estimuladas, não são rechaçadas de cara", conta Anderlini. No final de sua tese, ele defende: "Devemos abordar na escola justamente aquelas questões que limitam sua (nossa) forma de pensar, para que ele [o aluno], reconhecendo-as como tal, atue conscientemente: busque compreendê-las para delas libertar-se".
Thiago Camelo
da Ciência Hoje On-line