A produção de música eletrônica no país cresceu, ganhou fama e arrebatou fãs na Europa e nos EUA. O Brasil do bate-estaca agora rivaliza com o país da bossa nova
POR JÚLIA KORTE E NINA FINCO (Época Online)
Nos anos 1960, a música brasileira chamou a atenção do mundo. A bossa nova de Tom Jobim e João Gilberto ganhou tamanha projeção no exterior que, até hoje, “Garota de Ipanema” ostenta o posto de segunda canção mais executada no planeta, atrás apenas de “Yesterday”, dos Beatles. Mais de seis décadas depois, a invenção musical brasileira volta a surpreender os ouvidos estrangeiros, desta vez com um estilo bem diferente, o eletrônico. Nas pistas do mundo inteiro, o público se empolga ao som do batidão único, animado e cheio de personalidade do eletrônico brasileiro. Ele virou item de exportação da cultura musical. Nomes de DJs brasileiros como Felguk, Renato Ratier e Gui Boratto se tornaram familiares no exterior. Regularmente, tocam para multidões de até 200 mil pessoas e arrancam elogios dos maiores nomes da indústria musical. O remix autorizado de artistas consagrados, como Madonna, é feito por brasileiros, em outra demonstração de prestígio. Recentemente, o jornal inglês The Financial Times colocou o DJ Renato Cohen entre os 25 brasileiros mais influentes do mundo, ao lado de Neymar, Gisele Bündchen e Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. Hardwell, o DJ mais celebrado do mundo, vira e mexe apresenta sucessos brasileiros para as multidões.
Agora, num movimento paralelo, os estrangeiros começam a descobrir que o Brasil também é um bom lugar para curtir esse tipo de música. A revista americana Forbes disse que o país é a nova “meca da música eletrônica”. A fama, confirmada pela britânica The Economist, se traduz em números animadores. No ano passado, mais de 27 milhões de pessoas participaram de eventos ligados à música eletrônica no Brasil. DJs famosos não vêm ao Brasil apenas para tocar. Fazem pesquisa musical, se alimentam do estilo brasileiro, incorporam músicas criadas pelos DJs nacionais a suas apresentações e criam batidas inspiradas por eles. O produtor americano Diplo, um dos grandes nomes da cena eletrônica, é fã declarado do “baile funk”, gênero baseado na batida carioca. O DJ britânico Fatboy Slim, frequentemente visto pelos camarotes no Carnaval, tem um amor documentado pelo Brasil. Seu mais novo álbum chama-se Bem Brasil. Annie Mac, uma DJ britânica, afirmou neste ano: “No Brasil, você pode sentir a música das festas das cidades ecoar nas montanhas”.
“Evoluímos muito nos últimos três anos”, afirma Claudia Assef, jornalista que escreve sobre música eletrônica há 21 anos e publicou o livro Todo DJ já sambou (Conrad, 264 páginas, R$ 46). “Sempre houve DJs tocando, mas as músicas brasileiras não eram necessariamente de alta qualidade, como hoje”, diz Claudia. Os disc jockeys surgiram no país no tempo das discotecas, nos anos 1980. Só agora começam a ser valorizados. “O Brasil é famoso por ter os melhores DJs, que não são reconhecidos aqui”, diz Cohen, há 20 anos no mercado. Paulistano, tornou-se mundialmente conhecido em 2002, com o lançamento da música “Pontapé”. Passou a se apresentar nos mais importantes festivais do mundo, do Japão à Alemanha. Desde então, é apontado como o nome que contribuiu para consolidar estilos como tecno e house, que antes não tinham tanta aceitação nas pistas. “Antes me perguntavam se eu fazia samba. Diziam que, por tocar eletrônico, eu era exótico. Agora é de igual para igual”, diz ele.
Cohen foi exceção no mercado. Poucos DJs nacionais conseguiram fama internacional antes de 2012. Foi só com a expansão do estilo comercial EDM, ou electronic dance music, que a música eletrônica se tornou um gênero universal e abriu portas ao talento brasileiro. Existe hoje um estilo claramente definido de música eletrônica brasileira? “Não há uma escola de música brasileira em que todos tenham a mesma cara”, diz Cohen. “A habilidade do brasileiro é pegar tudo, de todos os lugares. Todos falamos a mesma coisa, mas de jeitos diferentes. A identificação vem da junção de ideias.”
É pela internet que a maioria dos artistas brasileiros chega ao mercado estrangeiro. A música eletrônica não circula na TV, como um clipe de pop ou rock. Os DJs brasileiros publicam e divulgam sua música em sites especializados – o maior deles é o Beatport. Esperam que um nome consagrado resolva tocá-la numa festa importante. É assim que o sucesso acontece. Foi pela internet que o paulistano Felipe Tampa, ou FTampa, de 30 anos, tornou-se conhecido. Depois de cinco faculdades incompletas e uma banda de rock que não decolou, em 2013 ele fez uma música chamada “Kick it hard” (sua versão de “Pontapé”) e publicou-a num site de música eletrônica. As rádios do festival belga Tomorrowland, considerado o maior do mundo, tocaram sua música. Ele estourou lá fora. “Essa é a forma normal de ficar conhecido”, diz FTampa. “A música é sempre renovada pela internet. O jovem que faz a moda abraçou o eletrônico. Estamos com uma força absurda.”
As casas noturnas também serviram como trampolim para muitos DJs. “Espaços como a D-Edge, em São Paulo, foram um chamariz para os DJs internacionais chegarem aqui e conhecerem o cenário brasileiro”, diz Cláudia. Atualmente, algumas pistas no Brasil desbancam até a famosa Ilha de Ibiza, na Espanha, conhecida pelas festas que recebem grandes nomes do eletrônico. O Balneário Camboriú, em Santa Catarina, é o lar de diversas casas noturnas internacionalmente reconhecidas pela música eletrônica, incluindo algumas de Ibiza, como Pacha e Space. Em 2013, os leitores da britânica DJ Magazine elegeram a catarinense Green Valley como a melhor pista de música eletrônica do mundo. Outras seis casas brasileiras apareceram na lista das 100 mais.
Com toda essa celebração, a música eletrônica virou um grande negócio. O megafestival Tomorrowland terá sua primeira edição no Brasil em maio de 2015, em Itu, interior de São Paulo. Anunciado pelo DJ David Guetta em julho deste ano, o evento esgotou seus 180 mil ingressos em menos de três horas. Em 2009, a indústria mundial de música eletrônica movimentava algo em torno de R$ 3 bilhões. Atualmente, passa dos R$ 20 bilhões – e os brasileiros sonham com uma fatia maior do negócio.
O coordenador do curso de produção de música eletrônica da Faculdade Anhembi Morumbi, de São Paulo, Leonardo Vergueiro, vê com reservas o título de “meca da música eletrônica” atribuído ao Brasil. “Ainda não chegamos a esse ponto”, diz ele. Houve aumento da produção e do consumo, mas muitos continuam dançando sem saber o que estão ouvindo. “Caminhamos para um cenário em que quem faz a música é tão importante quanto o DJ que a toca”, diz ele. Quando esse momento chegar, as músicas eletrônicas brasileiras serão tão identificáveis e tão famosas quanto “Garota de Ipanema”.
Fonte: ÉPOCA Online