Mas uma complicada questão racial surgiu quando as famílias de dois jogadores negros da Inglaterra disseram que provavelmente não estarão presentes no torneio de 16 equipes temendo abuso ou violência na Ucrânia, onde a seleção jogará suas primeiras três partidas. Um documentário da “BBC” descrevendo comportamento racista em jogos de futebol ali inflamou ainda mais as emoções.
Ao mesmo tempo, um dos principais jogadores da Inglaterra, o zagueiro John Terry, enfrentará um processo criminal após o torneio, por ter abusado racialmente de um adversário negro durante uma partida de clubes em outubro, pela Premier League inglesa. O processo fez com que Terry perdesse a posição de capitão da seleção inglesa.
Apesar do racismo no futebol ser um problema persistente na Inglaterra, na Itália e na Espanha, ele parece ainda mais virulento em partidas no Leste Europeu, com alguns torcedores fazendo sons de macacos e jogando bananas para os jogadores negros, enquanto outros fazem saudações nazistas e cantam “Sieg Heil”.
O governo britânico e o presidente da federação inglesa de futebol expressaram preocupação com a possibilidade de abuso racial contra os jogadores e torcedores em ambos os países-sede, particularmente na Ucrânia. Poucas famílias de jogadores ingleses planejam ir ao torneio, disse um porta-voz da federação inglesa.
Ashley Walcott, irmão do ponta Theo Walcott, disse recentemente no Twitter que a família evitará a Euro 2012 “por temor de possíveis ataques/confrontos racistas”. Ele acrescentou: “Algumas coisas não valem o risco.”
Um terço da seleção inglesa é negra. Mark Chamberlain, um ex-jogador e pai do atacante adolescente Alex Oxlade-Chamberlain, disse que não irá às partidas da fase de grupo na Ucrânia, mas poderá ir às fases posteriores da copa. A final será jogada em Kiev em 1º de julho.
“É uma grande preocupação”, disse Chamberlain em uma entrevista para a televisão britânica. “Eu acho que sua segurança é mais importante do que uma partida de futebol. É apenas prudente me manter distante disso.”
O Leste Europeu não realiza um evento esportivo da magnitude da Eurocopa 2012 desde os Jogos Olímpicos de Moscou em 1980 e das Olimpíadas de Inverno de 1984 em Sarajevo. Como co-país sede, a Ucrânia espera se exibir 26 anos após o desastre nuclear de Chernobyl e duas décadas após ganhar a independência com a dissolução da União Soviética.
Mas a Eurocopa será jogada em meio a um boicote político planejado à Ucrânia por alguns líderes europeus, devido à prisão da ex-primeira-ministra, Yulia V. Tymoshenko, e acusações de retrocessos na democracia. E preocupações foram amplamente expressadas em torno do racismo, tráfico sexual, brutalidade policial, gastos de mais de US$ 13 bilhões para sediar o evento em meio a dificuldades econômicas e cobrança de preços de hotel exorbitantes.
“Quando a Ucrânia foi indicada, as pessoas diziam que seria uma vitrine para exibir sua democracia, seu crescimento econômico, que ela fazia parte da Europa”, disse Steven Pifer, um ex-embaixador americano na Ucrânia e que agora é membro sênior da Instituição Brookings. “Agora que ela chegou, o aumento de preços, a corrupção, a percepção de que a Ucrânia está retrocedendo na democracia e a decisão de alguns líderes europeus de manter distância colocarão uma nuvem de chuva sobre o desfile.”
A elite do futebol de clubes na Europa é cada vez mais inclusiva, com jogadores de diferentes países, raças e grupos étnicos se unindo para formar equipes altamente respeitadas no Barcelona, Chelsea, Bayern de Munique e Manchester United. As seleções na Inglaterra, França, Holanda e Alemanha também colocam em campo times multiculturais.
Mas as competições de futebol envolvendo seleções tendem a estimular estereótipos e tensões chauvinistas, disse Andrei Markovits, um professor de estudos alemães da Universidade de Michigan, que escreveu extensamente sobre o futebol e já assistiu pessoalmente a quatro Eurocopas. “Eu estou certo que haverá todo tipo de provocações desagradáveis contra os jogadores de pele escura por todas as partes”, disse Markovits sobre a Eurocopa 2012.
Mas ele acrescentou: “Eu não vejo isso como exclusivo do Leste Europeu, exceto em grau. Isso é ubíquo na Europa. De alguma forma, o estádio de futebol permaneceu o último reduto de masculinidade completa. Você pode se comportar mal e se orgulhar disso, de um modo que não pode virtualmente em qualquer outro espaço na Europa.”
Max Tucker, um especialista em Ucrânia da Anistia Internacional, disse de Kiev que a polícia pode representar um problema maior para os visitantes do que os hooligans. Ele acusou a polícia ucraniana de ser altamente corrupta e intolerante. Ele descreveu o caso de um homem de etnia azeri que foi recentemente parado pela polícia, espancado e chamado de “negro bastardo”. “A postura aqui é de que as pessoas de cor não são iguais”, disse Tucker.
A Uefa, a federação europeia de futebol, disse que concedeu o torneio à Polônia e à Ucrânia para disseminar a influência do esporte e confrontar questões sociais. Os árbitros terão tolerância zero com o racismo durante a Eurocopa 2012, disse a Uefa, e terão poder para interromper a partida em caso de incidentes.
Causou comoção na Ucrânia e na Polônia o documentário da “BBC” mostrando torcedores de ambos os países dando saudações nazistas, fazendo sons de macacos e exibindo comportamento antissemita nas partidas. Ele também mostrou fãs em Kharkiv, Ucrânia --uma das cidades-sede da Eurocopa 2012-- atacando um grupo de estudantes asiáticos.
Sol Campbell, um ex-capitão da Inglaterra, pediu aos torcedores que evitem o torneio “porque vocês podem terminar voltando em um caixão”.
Autoridades na Polônia e na Ucrânia chamaram o documentário e os comentários de Campbell de insultantes e injustos, dizendo que o mau comportamento de um pequeno número de torcedores ocorre em todos os países europeus e assegurando que os visitantes estariam seguros durante a Eurocopa 2012.
Oleh Voloshyn, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores ucraniano, acusou o programa da “BBC” de xenofobia, segundo a agência de notícias “The Associated Press”, dizendo que os símbolos nazistas podem ser vistos em “qualquer partida na Inglaterra, então isso significa que os torcedores não devem ir a Londres para as Olimpíadas?”
O futebol inglês foi sacudido por dois incidentes raciais proeminentes durante o recém-concluído campeonato inglês. Terry, que joga pelo Chelsea, será julgado em julho por supostamente ter feito um insulto racial durante uma partida em outubro. Ele nega a acusação. Mas Terry é aparentemente a primeira pessoa a ser processada por comentários feitos em campo.
Luis Suarez, um atacante uruguaio que joga pelo Liverpool, foi suspenso por oito jogos por fazer comentários abusivos contra Patrice Evra, um zagueiro francês negro que joga pelo Manchester United.
Em uma audiência parlamentar em meados de maio, o presidente do sindicato dos jogadores de futebol da Inglaterra disse que os jogadores negros temem “uma torrente de abusos” caso se queixem de racismo após os incidentes de Terry e Suarez.
Gordon Taylor, o presidente do sindicato, disse que sente que “o sentimento entre os jogadores negros jovens ainda é ‘Hmm, eu poderia prestar uma queixa, mas...’”
A diferença com o racismo no futebol no Leste Europeu é uma questão de escala, disse lorde Herman Ouseley, presidente da organização antidiscriminação chamado Kick It Out, com sede em Londres. “Nesses países, eles tendem a usar a desculpa de que há pouca familiaridade com negros e asiáticos, um temor do desconhecido”, disse Ouseley. “Pode ser o caso, mas é inaceitável. Se as pessoas querem ir [à Eurocopa 2012], elas devem ser alertadas sobre o que podem esperar.”
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Fonte: The New York Times