Por Rogério Rocha
Apesar dos meus 15 minutos de atraso, encontrei-o tranquilo. Estava sentado à mesa de sempre. Tinha a expressão facial leve, o olhar sereno. Parecia mirar fixamente um quadro na parede do outro lado do salão.
Num cenário saído das páginas de um livro antigo, mais familiar a ele do que a mim, o tempo recebeu os dois viajantes do pensamento.
À mesa, as xícaras de café e meus dois livros, que ele acabara de ler, refletiam pedaços de nossos de mundos interiores: Frágeis Artefatos e A Linguagem da Ausência.
Éramos parte da aventura da existência, frutos precocemente amadurecidos, atores do destino, passageiros do mundo, artesãos de nós mesmos. De certo modo, estávamos condenados ao pecado da liberdade. Não produzíamos literatura; na verdade, abríamos trilhas, veredas filosóficas.
Ao longo da noite, esquecemos do cansaço do dia para dar margem ao percurso das ideias no bojo das palavras, na vertigem da experiência que é viver a poesia como modo de reflexão.
“Escrever é construir abismos”, disse ao poeta lisboeta. Pessoa sorriu, como quem já houvesse lido isso antes.
Entre pausas marcantes e silêncios inesperados, em meio ao diálogo, ficou suspensa a questão que esquecemos de nos fazer: escrevemos por existir, existimos para escrever ou apenas para não sermos esquecidos?
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