CONTEXTO HISTÓRICO:
A obra de João Cabral de Melo Neto foi lançada no ano de 1956. O autor fez parte da 3ª geração ou 3ª fase do modernismo brasileiro, também chamada de geração de 1945, que historicamente coincide com o final da Segunda Grande Guerra mundial e o início das hostillidades e ameaças mútuas entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e os Estados Unidos das Américas: a chamada guerra fria.
Uma época que influenciou diretamente a produção literária mundial, inclusive a nacional, com o crescimento de um sentimento de descrença no ser humano e de desencantamento para com os rumos da vida.
Outro elemento constante da obra de João Cabral, e que nos ajuda a caracterizá-la, em consonância com o período e suas circunstâncias, é a noção de desumanização ou coisificação do homem (concepção objetualista).
Pode-se observar ainda a presença de uma sintaxe seca e de versos curtos e de caráter experimental.
Suas obras centram-se muito em temas sociais. Nelas a emoção é quase sempre contida e no poema a palavra ganha concretude, dureza, razão pela qual se vê nele o poema como uma construção de engenharia.
Suas obras centram-se muito em temas sociais. Nelas a emoção é quase sempre contida e no poema a palavra ganha concretude, dureza, razão pela qual se vê nele o poema como uma construção de engenharia.
CARACTERÍSTICAS DO ESTILO:
Temos, portanto, uma poesia formalista, pós-moderna, com novas expressões, de tom intimista, regionalista e onde se propaga a ideia de "despoetização do poema".
Trata-se aqui de um poema trágico, um auto de natal Pernambucano. Um poema que trata de questões sociais como conflitos fundiários (por terra), a violência na zona rural, a seca, a miséria, a fome, etc.
É um poema teatral, portanto integra o gênero dramático. E nele percebe-se o uso da redondilha menor e da linguagem alegórica. Caracteriza-se ainda por ser aquilo que se convencionou chamar de literatura de travessia.
O autor também se utiliza do recurso da ironia. Sua linguagem é seca, enxuta. Tem poucos adjetivos e é mais substantivada.
Percebe-se a interferência de um narrador em 3ª pessoa.
Como curiosidade da obra e do estilo de Cabral, afirmam seus críticos que sua poesia se divide em duas modalidades: uma poesia pra ser lida em silêncio e outra pra se ler em voz alta, numa leitura cantada, que remete à necessidade de memorização e que lembra um pouco a linguagem do cordel, como nos caso da que aqui analisamos.
"Morte e Vida Severina" foi um grande êxito da literatura brasileira, com mais de 100 edições desde o seu lançamento.
Vê-se nela uma poesia con engajamento social.
Traz ao leitor a paisagem a a geografia dos lugares que atravessa.
Traz ao leitor a paisagem a a geografia dos lugares que atravessa.
- No poema vemos um retirante da seca nordestina (o Severino do título) a acompanhar o curso do rio Capibaribe em direção à cidade do Recife. Nesse périplo, o sertanejo, em travessia, depara-se com a onipresença da morte (ora consumada, ora em potencial).
- A vida severina aqui tem a conotação de uma condição existencial ligada a uma vida miserável.
UM ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO:
MAS, AFINAL, O QUE É UM AUTO?
- Um auto é uma peça breve, de tema religioso ou profano, encenado durante a idade média;
- Acha-se vinculado aos mistérios e moralidades;
- É uma composição dramática com personagens alegóricos como os pecados, as virtudes, etc.;
- Se caracteriza pela simplicidade da linguagem, caracterizações exacerbadas e intenção moralizante.
OBS.: Pode conter, por vezes, elementos cômicos ou jocosos. Teve origem na Espanha medieval e na poesia de Gil Vicente (Portugal).
IMPORTANTE DESTACAR:
Na obra nos são mostradas duas forças que exercem o domínio na região: o poder político (coronéis) e a Igreja (poder clerical).
O Severino aqui representa a coletividade, isto é, representa não só a sua, mas também várias outras biografias que repetem os traços da dele.
Para fins didáticos, pode-se dividir a obra em dois momentos ou partes distintas:
1ª) A fuga da morte, consubstanciada na retirada para a capital (Recife);
2ª) A chegada à cidade grande e o reencontro com a vida.
ESTRUTURA DA OBRA E DESENVOLVIMENTO DO ENREDO:
A obra começa com a MORTE. Quando há um enterro, deve-se ter em conta, segundo revela-se em seu decorrer, que ou é morte morrida ou matada.
E a sua estrutura se compõe numa narrativa em forma de ladainha.
Ex.: Quando se usa a expressão "ave bala", para dizer que "sempre há uma bala voando, desocupada."
Vemos aqui a denúncia da questão da violência no campo, a existência de graves e constantes conflitos de terra, da luta pela propriedade rural.
Logo, ao nos lembrar que o rio é como um "rosário", nota-se que a caminhada é como uma prece, onde se reza de conta em conta. Ela se constitui quase que numa "via crucis", dolorosa e inclemente, com momentos em que o personagem central pensa em deixar a vida.
No trajeto, já próximo de chegar à cidade, encontra-se com uma mulher que tem por ofício "encomendar a morte". Aliás, a morte ou a ideia da morte é companhia constante do personagem em seus deslocar-se rumo à cidade grande.
Ao chegar a Recife, fugindo do flagelo da morte, Severino encontra-se novamente com ela. (p. ex.: a menção ao muro caiado, ao cemitério).
Ao decidir tirar sua vida pulando da ponte, o personagem principal encontra-se com José Carpina (alusão ao Carpinteiro José, pai de Jesus Cristo), o que constitui-se, de certo modo, num simbolismo do encontro (ou reencontro) com a vida e a esperança.
Ao decidir tirar sua vida pulando da ponte, o personagem principal encontra-se com José Carpina (alusão ao Carpinteiro José, pai de Jesus Cristo), o que constitui-se, de certo modo, num simbolismo do encontro (ou reencontro) com a vida e a esperança.
Na sequência do enredo a mulher de José da a luz dentro de um mocambo onde residem e que passa a ser visitado por pessoas humildes da comunidade a trazer presentes para a criança (referência ao presépio, no nascimento do Cristo).
No desfecho vemos o nascimento do menino filho de José Carpina como uma gota de esperança, ou seja, a resistência da vida vencendo a crueza da morte.
No desfecho vemos o nascimento do menino filho de José Carpina como uma gota de esperança, ou seja, a resistência da vida vencendo a crueza da morte.
CURIOSIDADE/BÔNUS:
A obra possui uma forte intertextualidade com outras duas grandes obras do regionalismo nordestino modernista, quais sejam, "Vidas Secas", de Graciliano Ramos (da qual é, por certo modo, um desdobramento) e "O auto da Compadecida", de Ariano Suassuna.
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