Existem mais serial killers homens do que mulheres - ou as criminosas apenas não são descobertas?
O termo serial killer, ou assassino em série, foi formulado em 1979, depois que agentes do FBI, a polícia americana, passaram uma década entrevistando assassinos famosos dos Estados Unidos, como Richard Speck, que em 1966 invadiu o apartamento de oito universitárias, em Chicago, torturou, estuprou e matou sete delas. A única sobrevivente se escondeu embaixo da cama e conseguiu escapar do apartamento.
Ao analisarem as entrevistas, os agentes, que queriam traçar o perfil psicológico de criminosos sádicos, descobriram características comuns nos crimes de homicídios múltiplos, normalmente violentos, cruéis e, aparentemente, sem motivo.
"A expressão serial killer aparece para definir o criminoso que pratica, ao menos, três homicídios de modo sequenciado, os quais indicam condições assemelhadas de execução, como: excesso de brutalidade, impulsividade, frieza e sadismo", explica o professor de Criminologia do programa de pós-graduação em Ciências Criminais da PUC do Rio Grande do Sul, Ney Fayet Jr.
Porém, até aquele momento, somente homens criminosos haviam sido entrevistados.
Segundo a psicanalista Mercês Muribeca, coordenadora da especialização em Criminologia e Psicologia Investigativa Criminal no Centro Universitário de João Pessoa, até o final do século passado, as Ciências Criminais consideravam que somente homens se tornavam assassinos cruéis.
O argumento utilizado era de que mulheres não teriam força física para expor suas vítimas a violência extrema, como mutilação, esquartejamento, estupro e até canibalismo, frequente em crimes serializados. Uma avaliação de crimes rumorosos ao longo da história, no entanto, revelam atrocidades como as da Condessa Elizabeth Báthory de Ecsed, nobre húngara que no século XV que matou pelo menos 60 meninas para se banhar no sangue delas, ou de Ilse Koch, alemã casada com membro da SS retirava a pele de presos tatuados durante a 2ª Guerra Mundial para decorar abajures de sua casa.
"Existe um estereótipo de que a mulher, pela própria constituição física e pelo papel que lhe é atribuído na sociedade, de filha, esposa e mãe, está ligada à função de cuidadora, a comportamentos ternos, de pessoa doce", afirma a pesquisadora.
Além disso, por pertencerem a um grupo social vulnerável, mulheres costumam ser as principais vítimas de serial killers.
"Torna-se fácil pensar a mulher como vítima da violência e não como agressora. Isso, porém, não significa que não existam mulheres assassinas em série. Elas existem porque é da natureza humana o sadismo, a perversão, a psicopatia, o narcisismo. Isso não é uma exclusividade anatômica ou de sexo, raça, credo ou cultura", afirma Muribeca.
Para Fayet Jr., mulheres assassinas podem não estar sendo descobertas com a mesma frequência que os homens por causa dos padrões de gênero construídos pela sociedade.
"A criminalidade é tão antiga quanto a humanidade. Existem evidências que se trata de um fenômeno constante em todos os tempos e em todos os tipos e modelos de organizações sociais. Contudo, os registros históricos da criminologia são escassos sobre homicídios praticados por mulheres em comparação aos praticados por homens, reforçando a clara desproporção entre a criminalidade masculina e a feminina", conta o pesquisador.
Preconceitos e mitos, explica Muribeca, sempre rondaram casos de assassinatos brutais pela curiosidade que eles despertam, por um lado, e pela falta de informação que a sociedade recebe sobre o tema, por outro. Ao longo da história, crimes chocantes chegaram até mesmo a serem atribuídos a criaturas não-humanas.
"Devido ao fato da cena de crime ser aterradora e suas vítimas serem expostas a um requinte de crueldade, sadismo e brutalidade, acreditavam que os assassinos eram lobisomens, vampiros, monstros, homens besta, feras, etc.", conta a psicanalista.
Recentes pesquisas sobre o perfil psicológico de assassinas em série têm mostrado que elas não compartilham de várias características apresentadas em assassinos homens, como violência e impulsividade.
Essas descobertas baseadas na diferença de gênero do criminoso levantam uma nova questão para o problema: existem poucas assassinas sádicas ou elas apenas não estão sendo descobertas?
Psicopatia e crueldade feminina
A psicóloga Roberta Salvador-Silva, do Grupo de Pesquisa Neurociência Afetiva e Transgeracionalidade da PUC-RS, explica que um conjunto de fatores culturais, biológicos e históricos ajuda a entender por que existe - ou parece existir - muito mais homens que mulheres assassinos em série.
"Homens são mais agressivos por apresentarem níveis maiores de testosterona, que os predispõem a maior agressividade", explica. "Além disso, meninos e homens são incentivados pela sociedade a terem comportamentos violentos como modo de afirmação da masculinidade".
Em 2001, um estudo do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Columbia, EUA, mostrou a relação entre assassinos em série e psicopatia: 86,5% dos criminosos entrevistados eram psicopatas e 9% exibiam alguns traços psicopáticos, mas não serem considerados portadores do distúrbio.
De acordo com a literatura psiquiátrica dos anos 2000, há mais psicopatas homens que mulheres: 4% das psicopatias ocorrem em homens e 1% em mulheres. Mas Salvador-Silva explica que a maioria dos estudos sobre psicopatia quase não aborda mulheres como amostras.
"Como as amostras dos estudos quase sempre são masculinas, se reforça um estereótipo de que não existem muitas mulheres psicopatas, o que não representa a realidade", afirma a pesquisadora. "Esse conjunto de fatores pode levar autoridades a negligenciar casos de psicopatas mulheres, fazendo, consequentemente, com que seus comportamentos e crimes passem despercebidos", conclui.
Para a psicanalista Julia Bárány, autora do livro O Mal Disfarçado de Bem: Manual de Sobrevivência para Vítimas de Psicopatas, a psicopatia é um fenômeno social. "Trata-se de um problema de saúde pública que atinge ambos os sexos, mas no Brasil ainda não se reconhece desse modo o problema".
Nem todo psicopata será um assassino ou um serial killer. "Mesmo assim, o psicopata, homem ou mulher, não tem nenhum impedimento moral para matar, independente de quem for a vítima: filho, parceiro, chefe ou um desconhecido", aponta Bárány.
Além de não ser um problema moral matar, o psicopata não aprende com punição e não sente arrependimento, podendo repetir o ato quantas vezes achar necessário. Daí os crimes em série serem mais frequentes entre psicopatas.
"Se ele decide não matar, não é porque teve pena do outro ou se arrependeu - psicopatas não possuem esses sentimentos - mas porque não querem encarar as possíveis consequências do crime", explica a psicanalista.
Sutis e perigosas
A psicóloga Cema Cardona Gomes, autora da pesquisa de mestrado Psicopatia e agressividade em mulheres apenadas, realizada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos em 2010, aponta que há semelhanças e diferenças importantes entre criminosos psicopatas homens e mulheres.
"A literatura mostra que há maior incidência do transtorno nos homens", explica Gomes. "Mas nem sempre o grau de intensidade do transtorno tem uma diferença significativa entre homens e mulheres".
De modo geral, insensibilidade, emoções superficiais e ausência de culpa são características comum a ambos os sexos.
Um estudo da Universidade Penn State Harrisburg, na Pensilvânia, publicado em 2015, analisou 64 assassinas em série dos Estados Unidos e concluiu que há diferenças entre homens e mulheres no que se refere a motivações do crime, características das vítimas e métodos de execução.
De acordo com a pesquisa, enquanto os homens costumam matar por sexo, as mulheres costumam matar por vingança, poder ou dinheiro. Quanto aos métodos, os homens são mais brutais e violentos com o corpo da vítima, se valendo de facadas, estrangulamento, mutilação e esquartejamento. Já as mulheres são mais sutis e se utilizam de métodos que simulem uma morte de causa natural.
"O emprego da brutalidade excessiva é menos frequente nos delitos cometidos por mulheres, que se valem, muitas vezes, do envenenamento ou da asfixia", explica Fayet Jr. "Aliás, esses métodos implicam mortes que podem ser avaliadas como resultantes de causas naturais, o que dificultaria, ainda mais, a sua descoberta".
Se a brutalidade é menor nos métodos de execução dessas assassinas, elas tendem a ser mais cruéis que os homens na escolha das vítimas. Normalmente são pessoas do seu círculo social, principalmente aquelas que necessitem de seus cuidados ou nos membros da própria família.
"Como um padrão, os homens tendem a atacar pessoas desconhecidas, aleatoriamente, ao passo que as mulheres encontram em pessoas próximas ou em parentes os seus alvos preferenciais", conta Fayet Jr.
Outro fato chocante sobre a psicopatia feminina apontou que algumas profissões ligadas ao cuidado do outro, como professora, babá, cuidadora e enfermeira, podem atrair mulheres psicopatas por verem nos vulneráveis suas vítimas perfeitas.
Este dado foi encontrado pela pesquisa da Universidade Penn State Harrisburg, que também concluiu ser mais difícil descobrir crimes hediondos cometidos por assassinas: elas geralmente levam oito anos para serem descobertas, enquanto que os homens levam, em média, quatro.
Relações familiares conturbadas
"O psicopata geralmente tem problemas de relacionamento com família e amigos. Ele também tem sempre uma história triste para contar sobre sua vida, em que ele sempre é o injustiçado", explica a psicanalista.
Difícil de ser notada na sociedade, uma assassina psicopata pode ser mais facilmente identificada em seu ambiente familiar, principalmente se tiver filhos ou pessoas próximas sob seus cuidados, explica Gomes.
"O pobre envolvimento afetivo dos psicopatas pode ocasionar vários prejuízos à mulher, como dificuldades de aprendizagem, dificuldades no casamento, relações violentas com homens e pobre experiência materna", descreve a psicóloga.
Salvador-Silva conta que recentes estudos feitos pelo Grupo de Pesquisa Neurociência Afetiva e Transgeracionalidade mostrou que a falta de empatia e a frieza emocional de mães psicopatas fazem com que essas mulheres tenham muita dificuldade em atender às necessidades de pessoas que demandam maior cuidado, sendo os filhos pequenos os principais prejudicados.
"Realizamos pesquisas com mulheres psicopatas que estavam presas e verificamos um prejuízo em reconhecer expressão facial de choro em fotos de bebês, nas quais as demais presidiárias não-psicopatas apresentavam extrema facilidade. Esse é um dado extremamente relevante porque o bebê comunica as suas necessidades básicas por meio do choro", relata Salvador-Silva.
Incapaz de cuidar de alguém por não perceber as necessidades do outro, o psicopata, porém, tem uma grande capacidade de encenar comportamentos sociais esperados e simular emoções que geram empatia. Mas, se por um lado essas mães são, por natureza, negligentes no cuidado com os filhos, por outro elas costumam enaltecer a maternidade, se apresentando para a sociedade como mães protetoras e amorosas.
"Frequentemente elas usam o discurso de que os filhos são as coisas mais importantes da vida delas. É muito comum dizerem frases do tipo: 'em meus filhos ninguém encosta um dedo!'. Essa fala está associada a uma questão narcisista e de posse dos filhos do que de proteção, no sentido de que ninguém pode afrontá-la fazendo mal ao que é seu", explica Salvador-Silva.
Bárány afirma que, por não experimentarem sentimentos, mães psicopatas não encontram dificuldade em abandonar os filhos ou matá-los quando não julgarem mais vantajosa a maternidade.
"O que importa para qualquer psicopata é o jogo, e isso se estende às mães psicopatas: enquanto os filhos servem para provocar, extorquir e manipular ou se vingar do progenitor, ela está presente na vida deles; quando ela descobre algo mais interessante, abandona ou mata como se fosse algo corriqueiro, porque não há conexão e envolvimento emocional dela com qualquer pessoa que seja", explica Bárány. "Essas mães podem expor o filho de propósito a situações que podem levá-lo à morte, como soltar da sua mão em uma via movimentada ou ser negligente com doenças ou até com a alimentação da criança".
Quando não mortos, filhos criados por psicopatas podem apresentar problemas por toda a vida.
"Essas vivências vão se dar, muitas vezes, repletas de maus-tratos, humilhações e uma série de abusos que podem levar ao enrijecimento do indivíduo", explica a psicóloga. "A criação pode favorecer a formação de futuros psicopatas e criminosos, pois crianças criadas por essas mulheres, que vão crescer em ambientes com pouca afetividade, têm maiores chances de ter desvios de conduta".
Prevenir
Na legislação brasileira, não existe um termo ou um crime específico para tratar do serial killer. Além disso, para Fayet Jr., o Judiciário enfrenta dificuldades em avaliar e lidar com criminosos psicopatas.
Como parte do problema, Bárány defende que é urgente que a psicopatia seja tratada como problema de saúde pública no Brasil.
"Recebo pedido de ajuda de vítimas de psicopatas todos os dias", conta. "É preciso que a saúde pública e o sistema judiciário - no caso de um processo de guarda de filhos, por exemplo - reconheçam esse perfil antes que os crimes aconteçam. Depois que matou uma primeira vez, não há volta porque o psicopata não aprende com a punição", defende a psicanalista, alertando que esses crimes podem ser previstos e prevenidos com mais informações sobre psicopatia e demais transtornos que estejam relacionados com assassinatos em série.
Fonte: BBC Brasil
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