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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Um olhar sobre a polêmica dos 'rolezinhos' (por Rogério Rocha)

A onda dos "rolezinhos" invade shoppings brasileiros

Por Rogério Rocha

O recente fenômeno dos “rolezinhos”, nome dado ao encontro de grupos de jovens das periferias de São Paulo no ambiente de shopping centers daquela capital, que começou no final de 2013, tem chamado atenção das autoridades e despertado o interesse da mídia e da opinião pública para o tema da ausência de espaços e equipamentos de lazer nas periferias brasileiras. A reboque traz ainda a debate a problemática da pobreza, da desigualdade social e do direito ao consumo, bem como a questão do preconceito e discriminação contra parcelas desfavorecidas da sociedade, sobretudo as chamadas minorias.

Desde o início, a invasão maciça desses jovens aos shoppings paulistanos (e posteriormente a estabelecimentos congêneres em outras capitais do país) tem ocasionado nas pessoas, de um modo geral, uma série de reações, a maioria delas confusas, havendo quem veja nessa atitude mera contestação, revolta e protesto por direitos ligados ao lazer e ao consumo, enquanto para outros tal comportamento não passa de explícita manifestação de jovens baderneiros.

Os órgãos de segurança pública, via de regra, tem adotado o discurso de que os "rolezinhos" não configuram crime, portanto não podem (nem devem) ser coibidos pelos policiais militares, só devendo agir a polícia em último caso, desde que algo de anormal ocorra nas reuniões dos grupos de jovens (entenda-se: saques, furtos, roubos, vandalismo, etc.). A OAB, basicamente na mesma linha, e também na esteira de um discurso demasiadamente cuidadoso, sustenta que o fenômeno não afronta a lei, que há por parte dos envolvidos apenas a intenção de protestar por direitos que lhes tem sido historicamente negados, e que qualquer proibição da entrada e permanência desses adolescentes e jovens dentro dos shoppings seria um ato preconceituoso e de caráter discriminatório.

Entre os intelectuais, sobretudo juristas, sociólogos e antropólogos, ainda não há consenso acerca da natureza dos “rolezinhos”, suas causas e prováveis consequências. Alguns juristas afirmam que os "rolezinhos" caracterizam um abuso de direito de ir e vir, visto que um grupo grande de pessoas se vale dessa liberdade para pôr em risco, ou simplesmente afrontar, a liberdade de ir e vir de outras, bem assim o direito à propriedade, também virtualmente ameaçado quando do agendamento dessas reuniões para o espaço dos shopping centers.

Outros especialistas, sobretudo sociólogos, entendem que o fenômeno "rolezinho" está associado à cultura de jovens de periferia, sendo sua proibição uma manifestação de preconceito para com um grupamento social marcadamente negro e pobre. Destacam ainda que o “rolezinho” evidencia os muitos contrastes existentes na sociedade brasileira e que nele estão presentes questões de classe, bem como questões raciais.

Questão posta e polêmica instaurada, o certo é que a limitação de direitos fundamentais é tema de destaque dentro do direito constitucional. Assim como devem ser garantidos todos os direitos individuais, sabe-se também que seus exercícios muitas vezes podem resultar em conflitos, sobretudo quando há a colisão de alguns desses direitos.

Desse modo, assim como se costuma estabelecer um núcleo protegido de direitos, garantindo-se, por consequência, seu exercício, é normal que sejam fixados limites ou restrições a esses mesmos direitos. Até aí não há nada de incomum, afinal sempre haverá um espaço restritivo delimitado pelas próprias normas.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 4º, traz um caso clássico de restrição legal expressa, ao fixar que “A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem”. Uma lição simples e precisa, a qual deveríamos trazer sempre em nossas consciências.

Assim é que, geralmente, quando um texto normativo estabelece uma garantia, autoriza, de outro lado, uma certa restrição. O que não se pode aceitar, por razões óbvias é a supressão de garantias, principalmente as que tem origem no corpo da própria Constituição.

'Rolezinho' em shopping de Paulínia, SP.
Faço tais apontamentos somente para alertar aqueles que já se apressam em afirmar que a proibição dos “rolezinhos” no interior dos estabelecimentos comerciais é absurda e discriminatória.

É importante lembrar que é necessário aos regimes democráticos equilibrar (ou compatibilizar), na medida do possível, os direitos individuais, a fim de se evitar abusos do exercício desses próprios direitos. Busca-se com isso, ademais, resolver possíveis conflitos de direitos, inclusive os individuais, que inevitavelmente acontecem.

Parte da esquerda oportunista começa a se apropriar do 'movimento', levantando bandeiras inexistentes

O texto constitucional consagra o direito de reunião, dispondo o art. 5º, XVI, que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. (grifo nosso)

Na lição de Paulo e Alexandrino (2009), o direito de reunião é “meio de manifestação coletiva da liberdade de expressão, em que pessoas se associam temporariamente tendo por objeto um interesse comum” (grifo do autor), dentre eles inclusive podendo constar a reivindicação de um problema social ou da comunidade, por exemplo. Portanto, desde que lícitas e pacíficas, não havendo lesão a interesse jurídico ou perturbação à ordem pública, podem as pessoas se reunir.

Outra condição claramente observável no comando da norma constitucional é que, para se realizar, a reunião deverá ocorrer em locais abertos ao público.

Nesse ponto, cabe frisar que o elemento espacial 'local aberto ao público', ao qual faz menção nossa Constituição Federal, é, de modo genérico, um logradouro público (todo e qualquer). Anote-se também que, a princípio, a primeira ideia que vem às nossas cabeças é a de uma praça, um largo, um parque, uma avenida, uma rua, enfim, vários espaços públicos ao ar livre (verdadeiramente abertos).

Polícia militar é chamada a intervir no interior dos shoppings

Agora abro espaço para duas importantes considerações acerca do tema até aqui comentado.

Primeira consideração: o shopping center, em que pese ser aberto ao público, é um empreendimento de caráter privado. Tanto é verdade, que é regido por leis do direito civil (Código Civil e Lei n.º 8.245/91, p. ex.), ramo do direito privado (e não público), com suas características peculiares e princípios próprios. Logo, admite-se e franqueia-se a entrada, circulação e permanência de pessoas (de todas as classes sociais), consumidoras ou não, nas dependências desses empreendimentos particulares. Afinal, é o público a principal razão de ser dos centros de comércio e compras. Contudo, cabe aos proprietários das lojas, aos gerentes dos shoppings (ou a quem exerça atividade de gestão sobre tais empreendimentos) disciplinar seus usos, responsabilizando-se inclusive pela segurança pessoal dos frequentadores, colaboradores e lojistas, bem como pelo seu patrimônio como um todo.

A segunda consideração que faço é a seguinte: ainda que pacífica e sem armas, o exercício do direito de reunião dos “rolezinhos” dentro do espaço dos shopping centers, ainda que para fins de protesto ou expressão da manifestação de algum justo descontentamento social ou político, põe em risco a proteção ideal dos direitos de terceiros e a própria ordem pública. Portanto, o simples fato de se eleger o ambiente fechado de um centro comercial para uma reunião de “protesto”, ainda que pacífica, é motivo suficiente para que os particulares que ali exercem suas atividades e negócios adotem medidas assecuratórias de suas integridades.

A ciência que estuda o comportamento humano de há muito nos tem demonstrado que nós, indivíduos, vivendo em sociedade, somos capazes de exteriorizar diferentes reações quando estamos sós ou em grupo. Ou seja, um indivíduo (um jovem, por exemplo) passeando sozinho no shopping se comporta de um jeito. Andando em companhia de dezenas ou mesmo uma centena de pessoas comporta-se de modo outro.

No segundo caso, qualquer estímulo para a violência ou a prática de atos intimidatórios contra os indivíduos que não integram o referido grupo pode detonar uma reação em cadeia. Logo, se uma parte do grupo corre, a tendência é que outros elementos desse mesmo grupo também comecem a correr. Se alguns gritam, logo outros, movidos por aquele estímulo inicial, começam a gritar.

E ainda que a princípio os grupos de jovens não entrem nos estabelecimentos com o intuito de praticar ilícitos, nada exclui a possibilidade da infiltração de adolescentes que acabem por dar início à prática de atos infracionais, acobertados pelo anonimato que as multidões propiciam.

Nos casos já vistos na TV, em alguns dos eventos noticiados, jovens e adolescentes que participavam dos “rolés” causaram tumulto ao adentrar os shoppings de forma ruidosa, correndo pelos corredores, trombando em pessoas e subindo escadas rolantes no sentido contrário ao seus movimentos.

Além do mais, todos hão de convir, o interior de um shopping center não é local adequado a nenhum tipo de manifestação pública de massa. Seja de jovens, seja de adultos.

Distúrbios em flash mobs nos EUA

O fenômeno ora reproduzido em terras brasileiras é oriundo dos EUA, onde existe desde 1992, quando na Califórnia surgiram as denominadas critical mass*, que eram, em sua essência, encontros de jovens das classes baixas, sobretudo negros, buscando visibilidade perante o capitalismo da sociedade branca e rica. Mais recentemente, na última década, o movimento passou a se chamar de flash mob. Os primeiros eventos foram tranquilos, sem problemas, com jovens reunindo-se pacificamente nos ambientes refrigerados e acéticos dos mega shoppings dos Estados Unidos. Porém, com o passar do tempo, muitos distúrbios começaram a ocorrer quando desses encontros, resultando muitas vezes em depredações, saques a lojas, roubos e lesões a transeuntes, passando a merecer críticas de parte da sociedade americana e a sofrer a pronta repressão dos órgãos de segurança. Um dos resultados dessa resposta estatal foi a mudança de tais encontros para ambientes abertos, como parques, ruas e praças.

Nos EUA os flash mobs despertaram temor depois que passaram a ser veículo do ódio 

Em relação ao nosso flash mob, ora denominado “rolezinho”, sinceramente não os vejo como produto pensado e definido para o fim último de um protesto crítico, consciente, voltado para denunciar desigualdades sociais, o preconceito racial, o direito ao consumo e a falta de espaços de lazer dos jovens suburbanos. Nada disso!

Não há consciência dessa tematização de viés político dentre os seus organizadores, na grande maioria adolescentes que querem apenas dar umas voltas com amigos que conheceram nas redes sociais, conhecer gente nova, comer uns lanches, sair do marasmo de seus bairros e “ficar” com algumas garotas, “tirando onda” com suas roupas de marca e a estética fútil e vazia do tal 'funk de ostentação'.

E isso não sou eu quem estou inventando, são os próprios “organizadores” que afirmam, reforçando tais argumentos quando entrevistados pelos meios de comunicação.

Vá lá que um ou outro 'rolezeiro', quem sabe, tenha como objetivo real a contestação das referidas mazelas sociais. Vá lá!!!! Mas certamente será voz no deserto, minoria isolada em meio aos que querem mesmo é zoar. Aliás, talvez seja esse o verbo que melhor define o interesse dessa galera ao invadir em hordas numerosas os shoppings brasileiros... zoar. Para eles, essa é a onda.



*P.S.: Hoje nos EUA o termo critical mass é usado para identificar o movimento de massa onde ativistas e entusiastas se reúnem em manifestações pelo uso de bicicletas nas grandes cidades como meios de transportes não poluentes.

domingo, 5 de maio de 2013

Escolas se livram de estereótipos para formar sociedade menos machista



Getty Images
Menino segura boneca em Phnom Penh, Camboja (foto ilustrativa/ 24/02/2003)
No salão de cabeleireiro de mentirinha, João Pontes, de 4 anos, penteia a professora, usa o secador no cabelo de uma coleguinha e maquia a outra, concentradíssimo na função. Menos de cinco minutos depois, João está do outro lado da sala, em um round de luta com o colega Artur Bomfim, de 5 anos, que há pouco brincava de casinha.
Nos cantos da brincadeira do Colégio Equipe, na zona oeste de São Paulo, não há brinquedo de menino ou de menina. Todos os alunos da educação infantil - com idade entre 3 e 5 anos - transitam da boneca ao carrinho sem nenhuma cerimônia.
"O objetivo é deixar todas as opções à disposição e não estimular nenhum tipo de escolha sexista. Acreditamos que, ao não fazer essa distinção de gênero, ajudamos a derrubar essa dicotomia entre o que é tarefa de mulher e o que é atividade de homem", explica a coordenadora pedagógica de Educação Infantil do Equipe, Luciana Gamero.
Trata-se de um "jogo simbólico", atividade curricular da educação infantil adotado por um grupo de escolas que acredita que ali é o espaço apropriado para quebrar alguns paradigmas. A livre forma de brincar visa a promover uma infância sem os estereótipos de gênero - masculino e feminino -, um dos desafios para construir uma sociedade menos machista.
"Temos uma civilização ainda muito firmada na questão do gênero e isso se manifesta de forma sutil. Quando uma mulher está grávida, se ela não sabe o sexo da criança, compra tudo amarelinho ou verde", afirma Claudia Cristina Siqueira Silva, diretora pedagógica do Colégio Sidarta. "Nesse contexto, a tendência é de que a criança, desde pequena, reproduza a visão de que menino não usa cor de rosa e menina não gosta de azul."
Por isso, no colégio em que dirige, na Granja Viana, o foco são as chamadas brincadeiras não estruturadas, em que objetos se transformam em qualquer coisa, a depender da criatividade da criança. Um toco de madeira, por exemplo, pode ser uma boneca, um cavalo ou um carrinho. "Quanto menos referência ao literal o brinquedo tiver, menos espaço haverá para o reforço social", diz Claudia.
A reprodução dos estereótipos acontece até nas famílias que se enxergam mais liberais. Ela conta que recentemente, em uma brincadeira sobre hábitos indígenas, um menino passou batom nos lábios. Quando a mãe chegou para buscá-lo, falou de pronto: "Não quero nem ver quando seu pai vir isso."
"Podia ser o fim da experimentação sem preconceitos, que não tem qualquer relação com orientação sexual. Os adultos, ao não entender, tolhem essa liberdade de brincar por uma 'precaução' sem fundamento", afirma Claudia.
Visão de gênero
Se durante a primeira infância esses estímulos são introjetados sem que a criança se dê conta, ao crescer um pouquinho - a partir dos 5 anos -, elas já expressam conscientemente a visão estereotipada que têm de gênero.
No Colégio Santa Maria, no momento de jogar futebol, os meninos tentavam brincar apenas entre eles, não permitindo que as meninas participassem. Foi a hora de intervir. "Explicamos que não deveria ser assim e começamos a propor, por exemplo, que os meninos fossem os cozinheiros de uma das brincadeiras", diz Cássia Aparecida José Oliveira, orientadora da pré-escola da instituição.
Na oficina de pintura, todos foram convidados a usar só lápis cor de rosa - convite recusado por alguns. "Muitos falam 'eu não vou brincar disso porque meu pai diz que não é coisa de menino'. Nesses casos, a gente conversa com a família. Entre os convocados, os pais de meninos são a maioria. Um menino gostar de balé é sempre pior do que uma menina querer jogar futebol. E, se não combatemos isso, criamos uma sociedade machista e homofóbica."
O embate é árduo e é preciso perseverança. Mesmo no Colégio Equipe, aquele em que as crianças se alternam entre o cabeleireiro e o escritório, alguns comentários demonstram que a simulação da casinha é um primeiro passo na construção de um mundo menos machista. O pequeno Artur, de 5 anos, se anima ao participar da brincadeira. Mas, em um dado momento do faz de conta, olha bem para a coleguinha e avisa: "Eu sou o marido. Vou sair para trabalhar. Você fica em casa."

domingo, 25 de novembro de 2012

Autocomplete: o reflexo da sociedade?


Frases e perguntas que aparecem automaticamente em serviços de busca refletem o que as pessoas mais procuram na internet

por Redação Galileu

Vamos fazer um exercício. Digite 'onde' no Google e espere. Não dê 'enter'. Espere a mágica do autocomplete entregar a você as palavras mais digitadas depois de 'onde', através do autocomplete. Esse foi o nosso resultado:

Editora Globo
Então quer dizer que 'onde eu chego eu paro tudo' são as palavras mais digitadas depois de 'onde' no Google? E 'onde está Chuck Norris' ocupa a quarta posição? Segundo o Google e o Bing, sim - pelo menos em sua região. O autocomplete ou 'autosuggest', no caso do Bing, são mecanismos que servem para: 1. poupar seu tempo na hora de digitar perguntas, combinando palavras mais prováveis de serem digitadas por pessoas da sua região e 2. entregar resultados de pesquisa mais precisos prevenindo erros de ortografia. Mas, ultimamente, eles também servem para revelar padrões interessantes da nossa sociedade.

Editora Globo
Chuck Norris fazendo sucesso
Existem até pessoas que estudam os mecanismos de pesquisa para entender melhor os internautas. Em entrevista para o Telegraph, o editor do Search Engine Land, um site especializado em padrões de pesquisa, Danny Sullivan, conta que as pessoas encaram sites de busca como seus melhores amigos. "Lá perguntamos coisas que não teríamos coragem de perguntar nem para as pessoas mais próximas", explica. "Não nos sentimos julgados quando digitamos as dúvidas mais absurdas".
Editora Globo
Os pesquisadores afirmam que a maior quantidade de perguntas são sobre assuntos polêmicos - qual celebridade ou político é homossexual, muitas perguntas relacionadas a sexo. Mas em nosso teste (sim, somos curiosos e testamos) parece que o Google bloqueia o autocomplete para termos como 'gay' e 'sexo'. Já o Bing retorna resultados.

Editora Globo
Ainda de acordo com os pesquisadores, o fato de usarmos ferramentas como essa reflete a natureza do internauta atual. Pesquisas analisaram o cérebro das pessoas enquanto elas navegavam na internet e descobriram que coisas que acelerem nossa vida online - como dar apenas um enter em vez de digitar uma palavra inteira - podem nos deixar mais felizes, mesmo que representem pouca diferença de tempo.
Editora Globo

Editora Globo
E você, concorda que o autocomplete é um reflexo da sociedade? Qual foi o mais bizarro que você já encontrou ao fazer uma busca? Deixe sua opinião nos comentários. 
Fonte: revistagalileu.globo.com

sábado, 7 de julho de 2012

Sobre a Condição Mecânica



Em 1962, era lançado o livro ‘Laranja Mecânica’, de Anthony Burgess, que ganhou grande notoriedade com o lançamento do filme homônimo em 1971, sob a direção de Stanley Kubrick.  Embora décadas tenham se passado desde então, as temáticas abordadas pela obra original e pela sua adaptação cinematográfica – dentre as quais figuram o livre-arbítrio e o condicionamento psicológico – permanecem ainda extremamente atuais. Sinal claro disso é a publicação, na edição do mês passado da The New Yorker, de uma seção aberta a comentários de Burgess.
O título da matéria, ‘The Clockwork Condition’ – algo como ‘A Condição Mecânica’ – faz referência à obra mais famosa do autor e ressalta as suas muitas preocupações que serão trabalhadas ao longo do texto, dentre as quais, os perigos e os dilemas morais pertinentes ao condicionamento humano. Burgess começa fazendo uma sinopse de sua obra. Trata-se da trajetória de um delinquente, Alex, que aterroriza as ruas de uma grande cidade à noite, roubando, vandalizando, estuprando e, eventualmente, matando. Ele é preso e punido, mas o Estado não se contenta meramente com a sua prisão e decide aplicar ao anti-herói uma terapia de aversão, que comprovadamente eliminaria quaisquer propensões criminais para sempre.
Alex é, assim, submetido a sessões de terapia, nas quais são injetadas nele substâncias que provocam fortíssimas náuseas, enquanto é forçado a assistir a cenas de violência ao som de música clássica. Conforme esperado, o resultado desse procedimento é que logo ele não consegue mais contemplar cenas de violência sem se sentir desesperadamente mal. Além disso, como o seu desejo sexual sempre esteve associado a traços de agressão, ele não mais consegue ver uma desejável parceria sexual sem ficar enjoado. O tratamento chega até mesmo a privá-lo de um dos seus maiores prazeres: ouvir as sinfonias de Beethoven, que Alex também passa a associar ao seu enorme mal-estar.
É nesse ponto que Burgess, na matéria da The New Yorker, conclui o óbvio – por mais que se queira, homens não são máquinas, e há uma grande dificuldade em isolar alguns impulsos de outros. Para o autor, o Estado passa dos limites quando inibe o prazer experimentado por Alex ao som daquilo que ele considerava a sublimação do belo: a música. Ao tentar inibir instintos violentos, o aparato estatal buscava livrar a sociedade de uma constante ameaça; já a eliminação do seu prazer em ouvir musica clássica em nada melhoraria a sociedade, figurando como um terrível efeito colateral.
É justamente ao som da Nona Sinfonia que Alex, enlouquecido, tenta se suicidar. Diante dessa situação, segmentos da sociedade se compadecem e Alex é submetido a outro tipo de terapia, que o restaura à sua condição anterior de ‘liberdade’. Ao final do romance, o protagonista imagina outros mais elaborados padrões de violência – o curioso, porém, é que Burgess ressalta a sua intenção de que esse fosse um final feliz. Explica-se: seria melhor ser uma pessoa má pelo livre-arbítrio do que ser uma pessoa boa através de lavagem cerebral científica.
O ponto do condicionamento humano, que Burgess chama de lavagem cerebral científica, é justamente um dos mais interessantes e relevantes para os tempos atuais abordados na história. É também em relação a isso que o autor dialoga com B. F. Skinner, na obra deste último ‘Para Além da Liberdade e da Dignidade’. Para Skinner, haveria inúmeros benefícios em um condicionamento positivo do ser humano – ou seja, haveria vantagens utilizando-se apenas estímulos positivos em resposta a comportamentos desejados. Segundo ele, seria evidente que o comportamento humano precisaria mudar; e, para isso, seria também necessário o que chamou de tecnologia de comportamento humano.
O que importaria, portanto, seria a exteriorização do ser humano, particularmente aquilo que faz um item do seu comportamento levar a outro. É em relação a essa exteriorização que o condicionamento positivo agiria: levaria a respostas instintivas condicionadas, não a reações racionais. No argumento de Skinner, apenas o condicionamento negativo transformaria o protagonista de ‘Laranja Mecânica’ em um modelo nauseado de não agressão.  Estabelece-se, assim, um diálogo entre Skinner e Burgess – o primeiro defende a técnica e toma-a como necessária para a sobrevivência da humanidade; o segundo repudia-a em suas versões positiva e negativa, preferindo preservar o campo de escolhas a ceder às mecanicidades do behaviorismo.
Embora a matéria de Burgess adentre algumas outras discussões profundas e dialogue também com outros autores – a exemplo de George Orwell, em seu ‘1984’, trabalhando a o caráter intolerável do fardo de escolher –, aqui o foco será o condicionamento humano. Tal escolha se dá pela pertinência dessa discussão em relação a um assunto já debatido no ERA, em textos de Roberta Avillez e Bennett Foddy  (este último em tradução autorizada): a gamificação. Trata-se de uma tendência de introduzir mecanismos de games na interação de setores da sociedade – tais como o empresarial – com a população.
Por esses mecanismos, pequenas recompensas são distribuídas às pessoas quando elas têm um comportamento desejado; estabelece-se uma espécie de competição entre o público-alvo, com o vencedor sendo aquele que acumulou mais recompensas por agir de um modo valorizado por quem promove esse ‘jogo’ na vida real. Em última instância, o que está em disputa é uma forma de condicionamento humano: apela-se para os instintos mais competitivos do ser humano, de forma que ele busque se destacar no processo e, para isso, aja conforme o esperado para acumular pequenas recompensas.
A gamificação já vem sendo questionada atualmente, especialmente em relação ao seu uso constante pelas grandes corporações. Conforme trabalhado nos textos citados sobre o assunto, parece haver um dilema moral em relação ao uso dessa estratégia para atingir determinados fins. Enquanto a preocupação em relação à gamificação corporativa reside no fato de as pessoas serem condicionadas a fazerem o que seria mais benéfico para as empresas, preocupação semelhante é expressa em ‘Laranja Mecânica’ quanto ao uso do condicionamento pelo governo, mesmo que visando o bem da sociedade.
Seja em uma ou em outra situação, o que está em debate é o limite entre a liberdade de escolher e a resposta mecanicamente condicionada – em uma referência ao título da obra mais famosa de Burgess, a fronteira entre a organicidade do ser humano e a mecanização que se tenta impor a ele. Kubrick, diretor da adaptação cinematográfica desse livro, trata o mesmo como uma sátira social referente à questão da psicologia behaviorista e do condicionamento psicológico como novas armas para um governo totalitarista impor vasto controle sobre os cidadãos e os transformar em pouco mais que robôs.
A referência de Kubrick aos governos totalitários parece se estender a várias esferas do mundo contemporâneo – se o pensamento da época de lançamento do filme era marcado pela preocupação com o totalitarismo, o de hoje volta-se para um condicionamento cada vez maior implantado pelos mais diversos setores sociais, como mostra a questão da gamificação. Parece propício que, logo no início de sua matéria da The New Yorker, Burgess tenha situado o período em que se passa ‘Laranja Mecânica’ da seguinte forma: ‘This city could be anywhere, but I visualized it as a sort of compound of my native Manchester, Leningrad, and New York. The time could be anytime, but it is essentially now’.(Tradução nossa: Essa cidade poderia estar em qualquer lugar, mas eu a visualizei como um misto da minha Manchester natal, Leningrado e Nova Iorque. O tempo poderia ser qualquer um, mas é essencialmente o atual)
Referência:
Anthony Burgess, “The clockwork condition”, The New Yorker, 4 de junho de 2012.
Fonte: era.org.br

quinta-feira, 29 de março de 2012

"A política é o exercício da capacidade humana de julgamento", diz Michael Sandel


O SENTIDO DA VIDA EM SOCIEDADE
Ao longo dos últimos 15 anos tive a sorte de fazer muitas entrevistas com professores de Harvard: John Kenneth Galbraith, Steven Pinker, Samantha Power, Christoph Wolff, Richard Wrangham, Janet Browne, Niall Ferguson, Louise Richardson, Kenneth Maxwell e outros que não lembro agora. Sumidades em suas áreas. Harvard é um centro de excelência e foi com muito orgulho que estive com a família na formatura da minha filha Teca, em 2008, na Harvard Graduate School of Education.
Mas, ninguém simboliza o que é Harvard como Michael Sandel, o mais famoso professor da universidade. Há 30 anos ele leciona para os alunos do primeiro ano o curso Justiça, agora divulgado numa série de videos pela Internet. Quando Sandel viaja à China e ao Japão, para dar aulas, é tratado como um rock star e lota estádios. Virá ao Brasil, em agosto, para uma série de três palestras. Visitará Fortaleza, São Paulo e Brasília nos dias 4, 7 e 8 de agosto, respectivamente. 
Cheguei cedo para a entrevista com o repórter cinematográfico Guilherme Machado. Enquanto Gui armava as três cameras, fui comer no refeitório e passei por uma experiência bem típica de Harvard. Depois de comer, fui jogar no lixo a embalagem e o que restou do sanduíche. Dois jovens estudantes, uma moça e um rapaz, me abordaram gentilmente e perguntaram se eu topava conversar com eles sobre como distribuir meu lixo entre os vários recipientes disponíveis: um para lixo reciclável, outro para lixo “compostável” e um terceiro para o lixo que não se enquadra nas duas categorias anteriores. Debatemos os méritos de cada item até decidir onde jogá-los. Foi muito instrutivo e agradável. Normalmente eu reagiria mal a qualquer ordem sobre como dispor do meu lixo. Jogar tudo fora sem pensar é um velho hábito, mas Harvard achou um jeito simpático de mudar meus hábitos. Claro que não é exclusivo de Harvard, mas em nenhum outro lugar nos Estados Unidos, até agora, passei por essa situação.
Foi um bom exemplo do que Michael Sandel faz com os alunos e do que fez neste Milênio: cada ação nossa é resultado de uma escolha e cada escolha merece ser examinada, discutida e revista. Este é o sentido da ética, da liberdade e da vida em sociedade. Uma boa lição.
por Jorge Pontual

FILOSOFIA

Há 30 anos, o filósofo usa questões do dia a dia para discutir com seus alunos os valores éticos da sociedade. Ao Milênio, programa do canal por assinatura Globo News, Sandel falou sobre política, educação, democracia e justiça e explicou seu projeto de globalização da educação. Veja a entrevista com esse que é um dos mais importantes filósofos de nosso tempo acessando o link abaixo.


Fonte: Globo News/Milênio

sábado, 10 de março de 2012

Organizações exigem divulgação de relatório sobre tortura no Brasil


Organizações solicitam do governo brasileiro a divulgação pública das recomendações formuladas pela Organização das Nações Unidas (ONU) após visita ao sistema carcerário do país. O pedido é fundamentado pela Lei de Acesso à Informação.

Essa Lei, adotada recentemente, reforça a exigência de publicidade de documentos referentes a violações de direitos humanos. Nesse sentido, nesta quinta-feira (8) as organizações Conectas, Justiça Global e Pastoral Carcerária se dirigiram ao Subcomitê para a Prevenção da Tortura (SPT) da ONU.

As organizações exigiram publicidade às recomendações enviadas ao Brasil sobre tortura no sistema carcerário em 8 de fevereiro. O SPT visitou o Brasil em setembro de 2011, tendo contato com autoridades brasileiras e com representantes da sociedade civil.

O órgão visitou centros de detenção, prisões, unidades de internação para adolescentes em conflito com a lei, entre outros. As recomendações são comunicadas confidencialmente ao Estado, que pode decidir divulgar ou não as informações.

A carta encaminhada pelas organizações ao Ministério de Relações Exteriores, ao Ministério da Justiça e à Secretaria de Direitos Humanos, menciona que a Lei de Acesso à Informação faz com que transparência seja a regra e o sigilo a exceção.
Para Juana Kweitel, da Conectas, a não publicação das informações sobre o sistema carcerário seria um retrocesso. Sandra Carvalho, da Justiça Global, reforça que a sociedade só poderá acompanhar a implementação por parte do governo se souber quais são as recomendações da ONU. (Fonte: Pulsar/Página Global)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Brasil na TV (Por Laurindo Leal)



O Brasil na TV

Por Laurindo Lalo Leal Filho (*) - Revista do Brasil - Reproduzido na Agência Carta Maior

O Brasil que se vê na TV está restrito ao Rio e à São Paulo, salvo raras exceções. Exibem-se nas novelas e nos telejornais, lindas paisagens e graves problemas urbanos dessas metrópoles para todo o país.

Fico a me perguntar o que interessa ao morador de Belém o congestionamento da Marginal do Tietê, exaustivamente mostrado pelas redes nacionais de TV? Não haveria fatos locais muito mais importantes para a vida dos telespectadores do Pará do que as mazelas da capital paulista?

No entanto, o conteúdo que vai ao ar não é determinado pelos interesses ou necessidades do telespectador e sim pela lógica comercial. Para o empresário de TV local é mais barato e mais lucrativo reproduzir o que a rede nacional de televisão transmite, inserindo alguns comerciais da região, do que contratar profissionais para produzir seus próprios programas.

Para as grandes redes trata-se de uma economia de escala: com um custo fixo de produção, o lucro cresce à medida em que os anúncios são veiculados num número crescente de cidades.

Isso ocorre porque como qualquer outra atividade comercial a lógica do capital é a da concentração, regra da qual a televisão, movida pela propaganda, não escapa. Só que a TV não é, ou não deveria ser, apenas um negócio como outro qualquer.

Por transmitir valores, idéias, concepções de mundo e de vida, ela é também um bem cultural e não uma simples mercadoria. Dai a necessidade de ser regulamentada e ter os seus serviços acompanhados de perto pela sociedade.

Como concessões públicas, as emissoras têm obrigação de prestar esses serviços de maneira satisfatória, atendendo às necessidades básicas de informação e entretenimento a que todos tem direito. Caso contrário, caberiam reclamações, processos e punições, como ocorre em quase todas as grandes democracias do mundo.

Aqui, além de não existirem órgãos reguladores capazes receber as demandas do público e dar a elas os devidos encaminhamentos, não temos uma legislação capaz de sustentar esse processo. Por aqui vale tudo.

E quem perde é a sociedade, empobrecida culturalmente por uma televisão que a trata com desprezo. Diretores de emissoras chegam a dizer, preconceituosamente, que “dão ao povo o que o povo quer”.

Um caso emblemático da falta que faz essa legislação é o da produção e veiculação de programas regionais. Se o mercado concentra a atividade televisiva no eixo Rio-São Paulo, cabe a lei desconcentrá-lo, como determina artigo 221 da Constituição, até hoje não regulamentado.

Sua tramitação é seguidamente bloqueada no Congresso por parlamentares que representam os interesses dos donos das emissoras de TV.

Em 1991 a então deputada Jandira Feghali apresentou um projeto de lei estabelecendo percentuais de exibição obrigatórios para produção regional de TV no Brasil. Doze anos depois, em 2003, após várias concessões feitas para atender aos interesses dos empresários, o texto foi aprovado na Câmara e seguiu para o Senado, onde dorme um sono esplendido até hoje.

São mais de vinte anos perdidos não apenas para o telespectador, impossibilitado de ver o que ocorre na sua cidade e região. Perdemos também a oportunidade de abrir novos mercados de trabalho para produtores, jornalistas, diretores, atores e tantos outros profissionais obrigados a deixar suas cidades em busca de oportunidades limitadas nos grandes centros.

Mas se os interesses empresariais das emissoras bloqueiam esse florescimento artístico e cultural, as novas tecnologias estão abrindo brechas nessas barreiras. O barateamento e a diminuição dos equipamentos de captação de imagens impulsionaram o vídeo popular e a internet vem sendo um canal excelente de divulgação desses trabalhos.

Combina-se a vontade e a capacidade de fazer televisão fora das emissoras tradicionais com a necessidade do público de acompanhar aquilo que acontece perto de sua casa ou de sua cidade.

O que não descarta a necessidade da existência de programação regional nas grandes emissoras, como forma de tornar o Brasil um pouco mais conhecido pelos próprios brasileiros.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).


Fonte: Mingau de Aço

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Crack, fissura, e reality shows: é a sociedade quem precisa ser retirada do ar



Paulo Rosenbaum   (do Jornal do Brasil)
Palavras dizem quase tudo, entretanto algumas têm mais valor simbólico que outras: A palavra agora é crack (racha, fenda, estrondo, estalido e, segundo o American Heritage, quebrar sem dividir em pedaços). Temos vários cracks históricos: o de 29 (por ironia a especialidade acadêmica de Ben Bernake, secretário do Tesouro norte-americano), o de 2008 nas bolsas americanas, o de 2010 nas europeias, cracks sociais, cracks simbólicos, cracks narcóticos e simplesmente crack, a onomatopeia, o som de algo se partindo.  
Depois da grande desmobilização que sucedeu à queda do regime militar no Brasil, faz alguns anos que parece, nós, o povo, assistimos a tudo pela janela e pela TV. Na maior parte das vezes sequer nos levantamos para ver o que está acontecendo na esquina. Uma estranha passividade reina. Uma doença social imobilista, paralisante, que, diante da exaustão precoce, vai se instalando a ponto de tudo parecer normal quando nada está.
O problema desta vez não é só com a classe média – sempre a vilã contrarrevolucionária por excelência, mas que na análise retrospectiva se mostra uma força importante na sustentação das sociedades civilizadas pelo mundo. O problema poderia estar então na natureza voyeur da vida contemporânea. Estamos poluídos por imagens de alta definição, saturados com excesso de megapixels, ludibriados por amizades virtuais que escolhem “curtir” sem se envolver, emboscados pela vida mansa, vista de longe. E cada vez mais, cada vez mais longe. Nós é que estamos entorpecidos sem nos darmos conta da autodepredação. É chato admitir, mas nossa fissura – no duplo sentido – está em conservar uma distância segura desses viciados. De preferência, muros altos que ocultem o horror que nos cerca.
Nada mais alienante – para ressuscitar uma palavra dos anos de chumbo – do que os reality shows. Que moralistas o chamem de cativeiros ornamentais com músculos à mostra ou narcisismo das moças que buscam fama, pouco importa. Ninguém negará, contudo, que eles são um bom resumo da ideologia da sociedade industrial: mostrar e ser consumido.
O fato é que a vida não está ali.
E os que não podem consumir? E os fracassados que só olham de fora as benesses do Brasil bem sucedido: casas, hospitais, carros, salários e crédito? Como miragens, os itens sempre se  deslocam para o além, onde nem os sonhos alcançam. A sociedade está viciada em segregar, e os segregados são ensinados a desejar o que lhes está sendo negado. Estamos ensinando sem educar, o que é perto do nada. Todos sabem que a conta não vai fechar. Mas, como é preciso amenizar, muitos buscam paraísos artificias. Enquanto isso, o Estado vai dando sua mãozinha para a “República Drogada” e cuidando com todo o carinho da questão. E dá-lhe marretadas, cassetetes, pseudopacificação e agora emparedamento. E o tratamento? Por ande anda a assistência do Estado aos seus filhos? Pois há uma coisa em comum na Cracolância, nas favelas do Rio, nas rebeliões sociais e na explosão do crime. A fórmula está certinha: caminhar sem se mexer para a frente.
É fácil ouvir-se por aí: que a repressão os massacre! Quem mandou ficar à mercê da droga e deixar-se imolar pela fumaça que mata? Quem mandou acreditar na equidade ou num sistema de justiça que funcione? Quem são eles para ousarem questionar o Estado? Afinal, pega mal para a economia, e nós precisamos honrar a imagem da nação. 
É a inércia, e não a ação, a força governante. Ela nos leva sem que ofereçamos uma  resistência digna à calamidade. Diante desse neo-hedonismo inculto das famílias ligadas no Big Brother (pobre Orwell), ficamos paralisados e sem saber o que oferecer como solução ao pesadelo. Agora, a última é que querem tirar o programa do ar! Ora, é a sociedade quem precisa ser retirada do ar. Tudo que nos restou foi dar espiadas. A tragédia é que ainda não nos demos conta de que é sobre essa realidade, e não a virtual, que deveríamos votar.
O tráfico, a violência impune (não me convenço de que está melhorando), o loteamento e o escandaloso centralismo partidário da atual administração federal são parte integrante desse cenário. Um teatro no qual os oprimidos foram vetados de antemão.
Mas vamos todos relaxar geral, pessoal, é só mais um filme do Padilha! Logo mais, à noite, na Globo, a bestialidade e as cenas de miséria parecerão realidade distante, malgrado estejam num raio de 10 quarteirões de distância de qualquer um de nós em quase todas as cidades brasileiras.  
Se tudo já foi dito, talvez o mais inteligente fosse calar-se e deixar que levem de vez o caneco.
Não será possível, a esperança é incontrolável.      

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