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sábado, 4 de fevereiro de 2012

Entrevista: cientista japonês cria robôs humanoides de olho no futuro


Ele já foi comparado por alguns cientistas ao Dr. Frankenstein da literatura por estar sempre levantando questões profundas sobre a humanidade e suas criações. As roupas de cores pretas e os cabelos cheios, no estilo dos anos 70, são a marca registrada de Hiroshi Ishiguro, o especialista em robótica mais famoso do Japão e um dos mais importantes do mundo. Dedicado ao trabalho – que ele considera um “divertido passatempo” – em um dos seus quatro laboratórios, Ishiguro, 48 anos, começou a construir robôs há mais de uma década, depois de abandonar a ideia de ser um artista plástico. E defende a ideia de os robôs se parecerem conosco para facilitar sua aceitação. “Se faltam pessoas, por que não criar algumas?”, diz.
Com a agenda sempre lotada de compromissos, dentro e fora do Japão, Ishiguro aceitou receber a reportagem do Terra em seu laboratório instalado no campus Toyonaka da Universidade de Osaka. Numa tarde fria de outono, o professor chegou atrasado ao encontro – o que é muito raro, disse uma das três secretárias. Mal entrou na apertada sala onde está instalada a recepção, um professor assistente o levou para o escritório e, com as portas abertas, discutiram uma palestra de última hora na cidade de Xangai, na China.
Passou novamente pela recepção, soltou um wait a minute (“espere um momento”) e saiu apressado. Voltou cerca de dez minutos depois, ainda atordoado com o novo compromisso. Depois de discutir a agenda do dia seguinte, pediu-me para acompanhá-lo ao seu escritório. No pequeno cômodo, não tão diferente de qualquer outra sala de um professor universitário – abarrotado de livros, caixas, enfeites -, um poster do filme Substitutos(Surrogates) se destaca na parede – Ishiguro e um dos seus androides aparecem no começo deste filme. “Como salvar a humanidade quando a única coisa real é você?”, lê-se no cartaz. “Você já assistiu a esse filme?”, pergunta o professor ao ver que anoto a frase no caderno. “Não…”, começo a responder, mas sou cortado por ele. “É um ótimo filme. Assista.”
Tento começar a entrevista, mas sou interrompido novamente com perguntas sobre o Brasil, mulheres brasileiras e nosso Carnaval. Ishiguro não escondeu a vontade de conhecer o País e falar para os brasileiros sobre suas criações. “Mas quero ir no Carnaval, para conhecer o Rio de Janeiro”, fala. “Posso levar robôs pequenos e também os que jogam futebol”, emenda. A conversa é interrompida pela secretária que nos serve chá verde e bolachas. Durante toda a entrevista, Ishiguro pediu para repetir as perguntas diversas vezes, pois estava sempre fazendo outras coisas ao mesmo tempo: respondendo e-mails, atendendo ligações. Talvez esteja cansado de falar das suas criações, robôs que o tornaram um dos cientistas mais famosos no mundo. Confira abaixo os principais trechos da conversa exclusiva de Terra com o pesquisador.
Hiroshi Ishiguro tem 48 anos de idade. O Geminoid HI-1 (à direita) foi construído à semelhança do cientista
Terra – Como é o seu dia-a-dia? Quantas horas por dia trabalha?
Hisroshi Ishiguro -
 Meu trabalho é meu passatempo. Apenas tento sobreviver neste mundo, então tento fazer do meu trabalho um hobby. Estou sempre a procura de inspiração para minhas criações, meus livros e, mais recentemente, estou investindo na área artística. Muitas pessoas dizem que eu sou como um adolescente (risos).
Terra – O senhor se diverte com seu trabalho então?
Ishiguro -
 Sim, tento me divertir, sempre. Mas às vezes é difícil. Tem horas que penso apenas no meu ganha-pão.
Terra – Como os robôs entraram na sua vida? Ishiguro - Eu queria ser pintor, mas entrei para a área de ciência da computação e comecei a estudar inteligência artificial e a área de reconhecimento visual. A questão é: o computador precisa reconhecer algo. Então, para ter um reconhecimento real, achei que o computador precisava ter um corpo para ter essa experiência. Então, naturalmente passei para a área de robótica.
Terra – Mas eles precisam se parecer conosco?
Ishiguro -
 Depende da situação. Se for uma recepcionista, um robô com aparência humana é muito melhor do que outro qualquer. Além disso, nós já temos a expectativa de encontrar um ser humano nesta função, certo? Agora, trabalho com os Elfoid (um robô com função de telefone celular) e Telenoid, robôs com uma aparência humana, mas que não podemos dizer sua idade ou seu gênero sexual. Penso que os idosos vão gostar de usar esses robôs, pois podemos usar nossa imaginação para mentalmente projetar uma feição para essas máquinas. É muito mais fácil falar com esses aparelhos, pois falamos com nossa imaginação, sem nenhuma pressão.
Terra – Podemos dizer que caminhamos para uma sociedade integrada entre máquinas e homens, como nos filmes de ficção científica? Ishiguro - Filmes mostram sempre situações extremas, mas parte do que é retratado nós vamos usar definitivamente. Teremos um mundo parecido com o que é mostrado nos filmes. Por exemplo, Substitutos (Surrogates) mostra que teremos um androide idêntico a nós que faria o nosso trabalho. Eu adoraria ter um substituto nas aulas, caso eu fique doente. E pessoas com problemas físicos também poderiam usar um androide para executar tarefas que elas não podem fazer.
Terra – Os filmes de ficção científica geralmente retratam o homem lutando contra os robôs…
Ishiguro -
 Não em Transformers. Robôs são amigos dos humanos neste filme. Os produtores de Hollywood parece que finalmente se influenciaram com a cultura japonesa e mudaram de ideia (risos).
Terra – O Geminoid foi um grande marco na robótica. Continua a desenvolver esse robô?
Ishiguro -
 Continuamos a trabalhar com ele, e logo teremos um Geminoid muito melhor e mais portátil. Nós usamos muitos computadores e sistemas complicados para criar esse robô. Mas a próxima versão será mais simples e compacta. Está quase pronto e não posso contar os detalhes ainda. Quero fazer com que ele possa me substituir em entrevistas como esta ou conferências, assim posso continuar trabalhando em outros projetos (risos).
Terra – O senhor acredita, assim como outros pesquisadores como David Levy e Kurz Weil, que algum dia homens e robôs poderão até mesmo ter relações de amor e sexo?
Ishiguro – Por que não?
 Você acredita que sou um ser humano, mas como ter certeza disso? Por exemplo, temos muitos amigos que conhecemos virtualmente pela internet. Mas como checar se eles são humanos de verdade? Além disso, os humanos são cheio de mistérios. Já ouvi muitos dizerem que meus androides são muito melhores que humanos. Olha só: podemos tocá-los de forma mais amistosa, sem pressão social.
Terra – No que a sociedade japonesa pode servir como modelo, já que a robótica está tão avançada entre os japoneses?
Ishiguro -
 Nós temos uma situação diferente do resto do mundo. Aqui não temos militares e não temos a pressão de criar máquinas com intuito bélico. Nunca pensamos nisso. Nós pensamos em aplicações dos robôs no dia-a-dia, por isso que a tecnologia se desenvolveu rapidamente aqui. Somos bons em desenvolver pequenos aparelhos, como gadgets eletrônicos, celulares, televisores… Podemos construir robôs para o uso cotidiano ou mesmo para ajudar a cuidar de idosos.
Terra – Qual o estágio da robótica hoje? Em cinco ou dez anos, que tipos de robôs teremos?
Ishiguro -
 Falei sobre isso uma vez. A situação hoje da robótica é igual dos computadores pessoais. Há alguns anos, não sabíamos usar um computador. Ele já existia, mas não tinha muitas funções e aplicativos de uso fácil. Na robótica hoje temos muita tecnologia sendo desenvolvida. Mas ainda não sabemos como usá-los. Em breve teremos aplicativos que facilitarão o uso deles pelas pessoas comuns.
Terra – Em quanto tempo? Cinco anos? Dez anos?
Ishiguro -
 Não saberia dizer. Nossa sociedade muda muito rápido. Não dá para prever nada nessa área tecnológica. Há poucos anos, não dava para esperar uma sociedade tão informatizada ou essa invasão dos smartphones. Nossa sociedade é muito dinâmica e vai ser mais dinâmica ainda.
Terra – O senhor tem algum robô em sua casa?
Ishiguro – …
 (alguns segundos pensando)… Não. Mas hoje muitas pessoas têm aquele aspirador de pó que trabalha sozinho e também aparelho de ar condicionado que faz autolimpeza dos filtros. Ah, sim, e os aparelhos celulares também são uma espécie de robôs, pois têm sensores e câmeras.
Fonte: Terra/Japão Online

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