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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quais os significados possíveis para a palavra "constitucionalismo"?


Controle de Constitucionalidade
O Constitucionalismo, em nosso entender, pode ser definido como o resultado histórico de lutas, revoluções, movimentos e ideias, que tiveram por objetivo principal instalar, sob o primado da racionalidade, mecanismos legais de controle e redimensionamento do poder do Estado, a fim de garantir direitos e instituir deveres às instituições e cidadãos nas mais variadas sociedades. No Ocidente, a construção desse modelo de controle passou pela elaboração de Cartas Políticas (decisões fundamentais do povo), as quais se convencionou chamar de Constituições.

Foi a partir da elaboração do pensamento contratualista e, sobretudo, do desenvolvimento de filosofias políticas e jurídicas, ao longo dos séculos XVII ao XX, que se estabeleceram os fundamentos do Direito Constitucional da atualidade. Tais concepções teóricas foram responsáveis por ajudar a erigir a Constituição em uma força normativa capaz de fazer valer o Direito em bases positivadas, constituindo-se em verdadeira declaração política emanada do poder soberano constituinte do povo.

Dessa forma, baseada na Lei Fundamental, instituída pela vontade livre dos cidadãos, as sociedades, principalmente as democráticas, deram a si próprias um relevante mecanismo de proteção contra os desmandos do poder arbitrário de grupos ou indivíduos que, isoladamente, pudessem exercer o poder de forma tirânica.

Para Marcelo Vicente de Alkmin Pinenta[1], Constitucionalismo é

... o movimento político e jurídico que visava estabelecer em toda parte regimes constitucionais, no sentido de promover a limitação do poder estatal, a partir da separação dos poderes e da declaração de direitos do indivíduo, de modo a estruturar o Estado em bases mais racionais e socialmente mais justas.


Segundo Kildare Gonçalves de Carvalho[2],

O termo constitucionalismo apresenta vários significados. Embora se enquadre numa perspectiva jurídica, tem alcance sociológico. Em termos jurídicos, reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que se encontra acima dos detentores do poder; sociologicamente representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado.

Uadi Lamêgo Bulos[3], citado por Kildare Gonçalves, afirma que

O termo constitucionalismo tem dois significados diferentes: em sentido amplo, significa o fenômeno relacionado ao fato de todo Estado possuir uma Constituição em qualquer época da humanidade, independentemente do regime político adotado ou do perfil jurídico que se lhe pretenda atribuir; em sentido estrito, significa a técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século XVIII, que possibilitou aos cidadãos o exercício, com base em Constituições escritas, dos seus direitos e garantias fundamentais, sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo uso da força e do arbítrio.

Contribuindo para a compreensão do fenômeno do constitucionalismo, e seus desdobramentos necessários, importante destacar ainda o apontamento feito por Rogério Gesta Leal[4], ao ressaltar que

Pode-se dizer de certa forma que a Teoria da Constituição da modernidade e até o final do século XIX, no Ocidente, esteve marcada por um viés liberal-burguês, tendo servido como uma grande âncora para os processos de resistência política e social do seu tempo, notadamente para os efeitos de superar a fase obscurantista dos governos exercidos pela força da tradição e dos costumes autoritários de segmentos aristocráticos e oligarcas do medievo.
É a força da razão – inclusive na sua dimensão normativa e argumentativa – ocupando o espaço da força da tradição do poder físico de uns sobre os outros. Esta mesma razão é que vai erigir e exigir a explicitude dos fundamentos de justificação da forma e do exercício do poder, não mais vinculados às situações estanques de status nobiliárquico-hereditários ou religiosos, mas a critérios objetivos e laicos para aferir o novo padrão de análise e validade dos atos de governo e de poder: a sua legalidade.

Assim, sendo, contra as forças hostis aos direitos e liberdades públicas, contra os absurdos do poder autocrático, da coação tirânica do Estado Leviatã ou do Monarca Absoluto contra o cidadão comum, contrapôs-se um instrumento legal democrático, legitimado pela celebração de um pacto entre os concernidos (seus construtores e principais destinatários), como forma de impor limites ao Executivo (bem como aos demais poderes integrantes do complexo estatal) através de normas vinculantes, delineadas num documento fundamental chamado Constituição.

*Rogério Henrique Castro Rocha (Pós-graduando em Direito Constitucional e Direito do Estado pela Universidade Anhanguera/Uniderp/Rede LFG; Pós Graduado em Paradigma da Pesquisa em Ética pelo IESMA; Graduado em Filosofia e Direito pela UFMA)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito constitucional. 17. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
LEAL, Rogério Gesta. O Estado-juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkmin. Direito constitucional em perguntas e respostas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.



[1] PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkmin. Direito constitucional em perguntas e respostas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 63.
[2] CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito constitucional. 17. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 231.
[3] BULOS, Uadi Lammêgo Apud CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Op. Cit., p.232.
[4] LEAL, Rogério Gesta. O Estado-juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.42-43.

sábado, 11 de junho de 2011

LEI DE DROGAS NO BRASIL: EXCEPCIONALIDADE, CONSTITUCIONALIDADE E CONVENCIONALIDADE



Pode-se discutir os motivos de consumo, a alienação, a indiferença, a anomia, a relação de gozo/mais valia, os padrões de comportamento, mas é de se perguntar se a proibição e a omissão de produção autorizada (art. 2º da Lei 11.343/2006) fazem bem para o Brasil.
por Konstantin Gerber
Ruth Maria Chittó Gauer aponta o uso de drogas em grupos não ocidentais, em contextos ritualísticos, com monopólio parcial do conhecimento de Pagés ou Xamãs, afirmando não haver desorganização psicológica ou social, ao revés, do contexto sociocultural urbano relacionado aos “estilos de vida e gostos de classe”, rotulado pelo sistema de representações oficiais de desordem psicológica e social. Afirma haver de um lado o oficialismo interpretativo, por meio do rótulo toxicômano e de outro a identidade contrastiva com possibilidade de relacionamento humano satisfatório. Em suma apresenta o uso de drogas como um rito de passagem para a juventude de camadas médias e altas, e, na cultura da pobreza, paliativo das privações materiais e psicológicas.
 No Tribunal Constitucional Alemão, caso Cannabis (BVerfGE90, 145), sobre o Recht zum Rausch, o“direito ao êxtase”, referido pelo Min. Gilmar Mendes do STF, pág. 471 da Adi 3.112/DF, distinguem-se três graus de intensidade no controle de  constitucionalidade de leis penais. A norma deve ser declarada inconstitucional quando, pela evidência, pela ausência de justificativa e pela desproporção na intensidade em que atinge a liberdade de ação dos indivíduos, as medidas adotadas pelo legislador são visivelmente inidôneas para a efetiva proteção de bem jurídico da saúde pública.
 A criminalização do uso de drogas tem afetado o acesso de usuários de drogas aos recursos preventivos e à atenção dos diferentes problemas de saúde, incluindo-se o diagnóstico e tratamento de hepatite, tuberculose e HIV. A dependência de drogas, de acordo com a divisão 304.2, OMS, define-se por: “Estado psíquico e por vezes também físico, resultante de uso de uma droga, caracterizado por reações de comportamento que sempre incluem uma compulsão para usá-la de modo contínuo ou periódico, a fim de experimentar seus efeitos psíquicos e, por vezes, evitar o desconforto de sua falta. A tolerância à mesma pode ou não estar presente. Acrescente-se que uma pessoa pode apresentar dependência de mais de uma droga”.
 Há distinção entre uso, abuso e dependência: entre usuários recreativos - com possibilidade de uso integrado - abusadores e dependentes. Acerca da situação familiar, em abordagem compreensiva, busca-se valorizar a identidade do sujeito com compreensão das carências relacionais e afetivas. Marcelo Sodelli escreve proposta pedagógica para prevenção que convive com diferenças e ações redutoras de vulnerabilidade. O Deputado Paulo Teixeira, do PT, propõe regulamentação restrita.
 A relação entre a educação e leis, drogas e moral, o jovem como ator social, o sentido de convivência social e a educação para a cidadania vem estabelecida em Guillermo Hoyos Vasquez. Analisa o fracasso das medidas unilaterais de repressão, devendo-se analisar os aspectos morais, educativos, econômicos, políticos, sociais, de saúde pública e ecológicos.  Nomina o “consumo zero” de meta irrealista, com efeito meramente propagandístico, apontando ser possível a redução do consumo a níveis negociáveis internacionalmente, desde que haja diálogo e negociação no campo da economia, da cultura, do meio ambiente e da participação democrática dos países implicados.
  Considera-se, como o faz a doutrina penal, hediondo o comércio de remédios falsificados e adulterados e a disseminação de epidemia, sem menoscabo de se atentar: a uma, para o sentimento popular em se considerar hediondo a indução ao vício, ao abuso, à dependência e aos desequilíbrios emocional e financeiro – ao que associações de recuperação e associações de pais certamente fazem coro, com reforço do argumento proibicionista de ser a criminalização adequada para dificultação do acesso aos fármacos proscritos e tipificados por ilícitos; muito embora, sem deixar também, a duas, de atentar ao incentivo econômico da proibição – interessante aos financistas, com conseqüências nefastas em contextos de vulnerabilidade social, mormente, em se tratando de crianças e adolescentes, seja para o consumo, para a venda ou para proteção armada; e, a três - na perspectiva de quem enfoca as liberdades civis do maior de idade ao uso responsável e justificado – sem deixar de atentar para a circulação de um produto de risco no regime de proibição, bem como de seus substratos mais nocivos e aditivos, o crack.
 Da Constituição Federal pode-se extrair um dever geral de não comercialização, porém atento à realidade da proibição, deve-se relativizar e compatibilizar com o direito de uso seguro e informado, seja pelo condicionamento cultural, seja pela disposição do corpo, garantido-se o direito de associação, seja pelo uso medicinal, seja pelo direito moral ao uso recreativo, facilitando-se o direito à saúde com a descriminalização e com a administrativização – sanções e licenças administrativas –  para maior controle social.
 Conforme entendimento do STF, as normas protetivas de direitos humanos possuem hierarquia sobre a lei. Se Convenções da UNESCO, dos Deficientes, da Criança, dos Indígenas, dos Discriminados e Discriminadas e Protocolo de Genebra estão acima da lei, é preciso ir além das garantias processuais da Convenção Interamericana reconhecidas pelo STF e declarar a invalidade do conflitante com a Lei 11.343/2006, a Lei de Drogas no Brasil.
 Os arts. 20 e 21 da Lei 11.343/2006 entendem por redução de danos a participação em redes sociais, merecendo leitura os arts. 22 a 26, para atenção social. Para além de equipes multiprofissionais de saúde, Portarias MS 2842/2010, 1028/2005 MS/GM e 1190/2009 MS/GM, pode-se pensar em edição de Decreto de Informação de Utilidade Pública, conforme Decreto n. 4.799/2003.
 Pode-se discutir os motivos de consumo, a alienação, a indiferença, a anomia, a relação de gozo/mais valia, os padrões de comportamento, mas é de se perguntar se a proibição e a omissão de produção autorizada, art. 
2º da Lei 11.343/2006, fazem bem para o Brasil.



Konstantin Gerber


Advogado, pesquisador-auxiliar em direito público do Prof. Marcelo Figueiredo desde julho de 2003, integrante do Grupo de Pesquisa em Direitos Fundamentais, PUC SP, mestrando em Filosofia do Direito, PUC SP, Prof. Orientador Willis Santiago Guerra Filho, bacharel em Direito e Relações Internacionais, PUC SP. Assistente do Prof. Marcelo Souza Aguiar, Puc Sp. Aluno Bolsista Flexível CAPES


Ilustração: Daniel Kondo


Fonte: Le monde diplomatique

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