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quinta-feira, 21 de abril de 2022

Do imortal da Academia Maranhense de Letras José Neres: "Rocha no meio do caminho"

 

Rogerio Rocha e José Neres.
Rogerio Rocha e José Neres.

Convidado: José Neres é professor, membro da AML, ALL e da Sobrames-MA

Quando se apela para a alquimia das palavras e se junta na mesma frase vocábulos como poema, pedra, penhasco, rocha e versos, os leitores mais afeitos aos clássicos antigos e que se alimentam de sonetos bem elaborados trazem logo à mente a figura de um Cláudio Manuel da Costa, o poeta que introduziu nas letras brasileiras a essência das máximas árcades que nos aconselham a fugir do meio urbano para aproveitar a vida em um local ameno. Outros leitores, no entanto, fazem logo a ligação direta com a cerebral e bem construída produção poética de João Cabral de Melo Neto, um dos mais completos poetas do século XX, um homem capaz de educar pela pedra e de transformar um único Severino em uma referência eterna para todos os Severinos condensados e metaforizados no ritmo de versos nucleares da poesia modernista. Mas ninguém poderá deixar de lado também a incômoda pedra no caminho do jovem Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiro, que, em 1928, transformou uma mera pedra em um monumento às vezes incompreendido da poesia brasileira. Como esquecer também a pedra encontrada nas águas de março eternizadas na voz de Elis Regina.

              Porém, além dessas, há outras rochas e outras pedras que mais recentemente também se transformaram em versos e que merecem uma atenção por parte dos amantes das letras. Trata-se do livro 'Pedra dos Olhos' (Editora Hamsa, 2019), do filósofo, poeta, advogado e professor Rogério Henrique Castro Rocha, mais conhecido como Rogério Rocha, e que tem dedicado parte de suas energias para compartilhar conhecimentos na grande rede de computadores, entrevistar autores de diversas áreas do saber, comentar obras de seus contemporâneos e traduzir em palavras, versos e estrofes suas observações, anseios, dúvidas e sentimentos.

              Pedra dos Olhos é um livro que, em 190 páginas, reúne quase uma centena de poemas sobre temáticas diversas, mas sempre carregados de um olhar que mescla um olhar social e pessoal com múltiplas leituras feitas das obras de poetas, filósofos, juristas, sociólogos e outros intelectuais que acabam compondo um complexo labirinto de saberes que se bifurcam na busca da melhor maneira de o poeta expressar-se diante dos “sustos” cotidianos que o tiram de uma suposta zona de conforto e o fazem acreditar que as palavras podem ter o poder de chamar a atenção para o que pode ser melhorado no mundo, para aquilo que sempre esteve bem diante dos olhos de todos, mas que parecem obstaculizados pelas “pedras” que nos impedem de seguir o caminho que está aberto à nossa frente.

              Mesmo sem intenção de fazer da tessitura do livro um “mosaico de citações” como certa vez disse Julia Kristeva, Rogério Rocha, mesmo buscando imprimir uma dicção poética própria em cada poema, acaba deixando para o leitor rastros de suas leituras: Tribuzi, Drummond, Vinícius, Cabral de Melo Neto, Nietzsche, Spinoza, Schopenhauer, Fernando Pessoa, Nauro Machado e muitos outros escritores que se entrecruzam nas malhas da intertextualidade.

              Em Pedra dos olhos há espaço para a discussão de temas tão diversos quanto o contato com o mundo cibernético, quanto o fascínio pela voz de uma estrela como Karen Carpenter, passando por indagações filosóficas, imersão no erotismo, as alegrias do nascimento de uma criança e a observação de coisas do cotidiano, como uma chuva que cai e as mudanças ocorridas na urbe. Tudo, de alguma forma, pode ser transformado em poemas pelo olhar atento de Rogério Rocha.

              Trata-se de um livro para ser lido com calma e paciência, sem se desviar das pedras, das rochas e dos obstáculos que podem aparecer a cada curva dos poemas. Desviar-se dessas pedras seria deixar de lado a matéria-prima de que é construído cada poema: o olhar atento de um homem que se reconhece como em construção, mas que aproveitou cada pedra do caminho para encher seus olhos de esperança em dias melhores, mesmo que, às vezes, tenha que utilizar a força de um martelo para abrir caminhos em situações nas quais outros viriam apenas obstáculos intransponíveis. Afinal de contas:

Meu martelo profético desfaz e arrasa,

Com golpes potentes, enormes pancadas.

As torres maciças que o templo resguarda.

 

 Fonte: Portal Facetubes

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O Grande Irmão da Internet

O livro "O Círculo", de Dave Eggers, agora no Brasil, marca o fim de nossa relação ingênua com as redes sociais

Por Alexandre Mansur
Mae Holland é uma jovem americana ambiciosa, sociável e bonita. Consegue, por indicação de uma amiga, emprego na mais desejada empresa do mundo: o Círculo. Trata-se da corporação que controla a maior rede social do planeta, de mesmo nome. Uma mistura de GoogleApple,Facebook, Amazon e outros gigantes, o Círculo intermedeia as interações sociais, as compras on-line, os deslocamentos das pessoas e até as informações sobre saúde. Tudo isso de forma lúdica, fácil e moderna, pelo celular, pelo computador, pelos tablets e por outros aparelhos conectados. A sede do Círculo é um paraíso no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Prédios confortáveis espalhados por um campus arborizado, com vastos gramados e amenidades como quadras esportivas, transporte grátis, massagem, exercícios, festas permanentes. Lá, a qualquer momento, um congressista oferece uma palestra sobre tecnologia, um artista famoso dá um show, um grupo de funcionários organiza uma festa à fantasia, outro organiza uma votação por mais comida vegetariana nos restaurantes do campus. Tudo é grátis para os funcionários. Há até um hotel, de uso livre, para quem prefere nem voltar para casa após o expediente.

O Círculo (Foto: Época)


1984 (Foto: Alyne Tanin)
Gradualmente, esse maravilhoso mundo novo vai revelando uma outra faceta. O Círculo monitora a vida das pessoas, faz lobby político e até chantagem. Promove um novo estado de valores, onde tudo deve ser vigiado, nenhum aspecto da vida privada (de funcionários ou usuários) deve ser escondido. Pouco a pouco, a vida conectada feliz e próspera se transforma numa distopia contemporânea. Esse é o tema central do livro O Círculo, do jornalista americano Dave Eggers (Companhia das Letras, 528 páginas, R$ 54), lançado agora no Brasil. A obra foi lançada nos EUA no ano passado e virou uma referência no debate sobre os limites éticos das redes sociais. É uma das mais contundentes críticas ao risco de sacrificarmos uma parte importante de nossa liberdade e de nossa privacidade, em nome das facilidades oferecidas pelos serviços atuais da internet. A fantasia de Eggers faz referências evidentes ao pesadelo totalitário descrito pelo escritor inglês George Orwell no livro 1984. Publicado em 1949, à sombra da Segunda Guerra Mundial, Orwell descreve um estado policial em que os cidadãos são monitorados e influenciados por meio de TVs e câmeras onipresentes.
O universo apresentado em O Círculo foi visto por alguns críticos como exagerado. Em determinado momento, um namorado da personagem central, Mae, grava um vídeo com momentos íntimos entre os dois e divulga as cenas na internet. Constrangida e revoltada, Mae exige que o vídeo seja apagado da rede. Surpreendentemente, é convencida por um dos fundadores do Círculo de que não só o vídeo deve continuar disponível, como sua existência precisa ser louvada. Para ele, é um símbolo da transparência que ajudará a sociedade a se portar de forma mais íntegra. A partir do princípio segundo o qual quem não deve não teme, os fundadores do Círculo pregam que tudo o que acontece deve ser mostrado, que nenhum aspecto da vida deve escapar ao escrutínio público, em nome da correção e da segurança coletivas. Chegam a elaborar três slogans, semelhantes aos do Grande Irmão de 1984. “Segredos são mentiras” significa que quem esconde algo deve ter feito algo errado; “Compartilhar é cuidar” lembra que divulgar tudo sobre si é uma prova de amor e confiança; e, finalmente, “Privacidade é roubo” implica que divulgar dados íntimos (como de saúde) pode ajudar quem cuida de você a antecipar problemas futuros e a entender padrões globais, para cuidar com eficiência de sua vida e da coletividade. Portanto, privar o público desses dados é subtrair algo de todos. A inversão de valores de O Círculo pode soar absurda. Por exageradas que sejam, têm o poder, como uma lente de aumento, de revelar algo que passamos a aceitar facilmente com o crescimento das redes sociais.


Quanto o Círculo está distante do mundo de hoje? Empresas como Facebook (também dono do comunicador WhatsApp) e Google (também proprietário da rede YouTube) colhem dados  sobre seus bilhões de usuários e resistem a tirar do ar o que é publicado, mesmo quando a publicação é feita sem autorização ou conhecimento dos envolvidos. Encantados com as redes, muitas vezes burlamos a privacidade do próximo na melhor das intenções. Um amigo recém-descasado me confidenciou que deixou de ir a festas, por temer ser fotografado com a nova namorada. Alguém poderia subir as imagens – à revelia dele – no Facebook. Outra amiga tentou manter as primeiras semanas de gravidez só entre familiares íntimos. A mãe dela publicou todas as imagens da ultrassonografia no Facebook. Em muitos casos, pedir para alguém não publicar uma foto pode magoar. Tanto quanto confessar que não viu (nem comentou on-line) as fotos da incrível viagem de férias que o amigo pôs no Facebook ou no Instagram.



A tese dos fundadores dessas empresas é que os benefícios compensam o sacrifício da intimidade. Em entrevista ao jornal The New York Times, Larry Page, um dos fundadores do Google, diz que as pessoas têm reações negativas antes de ver os produtos e experimentar o que eles oferecem. “Isso aconteceu na saúde. A regulamentação deixou os dados tão trancados que não podem ser usados em benefício das pessoas”, diz Page. “Hoje, não temos um sistema de data mining (que vasculha todas as informações em busca de padrões e dados individuais relevantes) para analisar os dados de saúde pública. Se tivéssemos, poderíamos provavelmente salvar 100 mil vidas no próximo ano. Me preocupa muito que a imprensa e o governo tentem alimentar os medos e que acabemos incapazes de ajudar muita gente.” Em seu livro sobre o Facebook, Katherine Losse, uma das primeiras funcionárias da rede, descreve uma reunião em que o fundador, Mark Zuckerberg, afirma: “Estamos empurrando o mundo para virar um lugar mais aberto e transparente”.
 

AMBIENTE INFORMAL Funcionários nas sedes do Google (Foto: Donald Weber/VII/Corbis)
AMBIENTE INFORMAL Funcionários nas sedes do Google  (à esq.) e do Facebook (à dir.) na Califórnia. A vida nos campi das empresas de tecnologia inspirou o cenário do livro de Eggers (Foto: James S. Russell/Bloomberg via Getty Images)
Pode haver outra razão para tolerarmos tanto controle social e exposição de intimidades. Uma das teses fortes de O Círculo é apresentada na voz de um ex-namorado de Mae, crítico à euforia tecnológica. Ele compara a socialização fugaz da rede social às calorias vazias do fast-food. Diz o personagem: “As ferramentas que vocês criam na verdade confeccionam necessidades sociais antinaturais. Ninguém precisa do nível de contato que vocês buscam. Ele não nos dá nada. Não é saudável. É como fast-food. Você sabe como eles fabricam essa comida? Eles determinam cientificamente quanto sal e gordura precisam incluir para manter você comendo. Você não tem fome, não precisa de comida, aquilo não traz nada para você, mas você continua devorando aquelas calorias vazias. É isso que vocês empurram. Infinitas calorias vazias na forma de socialização digital. E vocês calibram as doses para que o negócio fique igualmente viciante”. Exagero? Em junho, o Facebook divulgou detalhes de uma experiência envolvendo 689 mil usuários. Eles foram induzidos a sentir tristeza ou alegria, a partir da seleção de conteúdos fornecidos como mais relevantes para leitura. A experiência gerou críticas de advogados, políticos e ativistas de direitos digitais. (Foto: Divulgação)

Pode haver outra razão para tolerarmos tanto controle social e exposição de intimidades. Uma das teses fortes de O Círculoé apresentada na voz de um ex-namorado de Mae, crítico à euforia tecnológica. Ele compara a socialização fugaz da rede social às calorias vazias do fast-food. Diz o personagem: “As ferramentas que vocês criam na verdade confeccionam necessidades sociais antinaturais. Ninguém precisa do nível de contato que vocês buscam. Ele não nos dá nada. Não é saudável. É como fast-food. Você sabe como eles fabricam essa comida? Eles determinam cientificamente quanto sal e gordura precisam incluir para manter você comendo. Você não tem fome, não precisa de comida, aquilo não traz nada para você, mas você continua devorando aquelas calorias vazias. É isso que vocês empurram. Infinitas calorias vazias na forma de socialização digital. E vocês calibram as doses para que o negócio fique igualmente viciante”. Exagero? Em junho, o Facebook divulgou detalhes de uma experiência envolvendo 689 mil usuários. Eles foram induzidos a sentir tristeza ou alegria, a partir da seleção de conteúdos fornecidos como mais relevantes para leitura. A experiência gerou críticas de advogados, políticos e ativistas de direitos digitais.
O livro de Eggers marca o fim da ingenuidade diante das redes sociais. Desde sua publicação nos EUA, surgiram iniciativas para regular de alguma forma a ação desses serviços. Não apenas lá. A Justiça europeia decidiu em maio que os cidadãos têm direito de solicitar que o Google apague o link para páginas com informações incômodas sobre seu passado. Outra ação foi contra o Secret, programa de celular que permite a qualquer um publicar e comentar a vida íntima de terceiros, sob o manto da anonimidade. Em agosto, a Justiça do Espírito Santo determinou que o Secret fosse retirado dos celulares brasileiros. Talvez nossa sociedade consiga domar as redes sociais, assim como o mundo ocidental escapou do totalitarismo. Que livros como O Círculo sirvam como alertas.
Fonte: Revista Época Online

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Lorena esbraveja contra Bernardinho


Oposto do Sesi-SP reclama da falta de oportunidades na seleção brasileira e dispara contra técnico: 'Ele é a mesma coisa que nada'















Conhecido pelo seu jeito explosivo em quadra, o oposto Lorena, do Sesi-SP, decidiu desabafar no mesmo tom contra o técnico Bernardinho. Reclamando da falta de chances na seleção brasileira de vôlei, o jogador admitiu que tem um estilo "agressivo". Mas diz que Bernardinho não foi honesto com ele.

“Nunca tive oportunidade na seleção brasileira. Minha grande angústia sobre o Bernardinho é sempre me julgar sem me conhecer. Para mim, ele é a mesma coisa que nada. Comigo ele não foi muito honesto”, disse em entrevista à Rádio Bradesco Esportes FM Rio.

Lorena comentou que muitos jogadores convocados pelo treinador não merecem mais chances do que ele. Lembrando que o oposto é um dos maiores pontuadores da Superliga e já foi pré-convocado por Bernardinho para a Liga Mundial de Vôlei 2012, mas na convocação final, seu nome ficou de fora.
  
“Eu não sei qual é o pensamento dele, ele sempre teve o grupo formado. Ele é um vencedor, mas eu deveria, no mínimo, treinar com o grupo da Seleção. Nunca quis me testar, ele sempre quis me criticar. Vejo tanto oposto convocado que não fez metade do que eu fiz. Eu queria saber o julgamento que ele tem sobre mim, pelo menos, para ser testado. De repente eu não tenho nível para a Seleção, mas acho que não é isso”, esbravejou.

Segundo o atleta, se depender do técnico, a “Família Bernardinho” nunca contará com Lorena.  “Não o conheço e não tenho nada para falar dele. Eu nunca fiz parte do grupo dele, ele me julgou por outras coisas e não pelo vôlei”, garantiu.

Jeito explosivo

Lorena é amado pelos torcedores do Sesi e odiado pelos rivais. Ele garantiu que é preciso ser agressivo para ser um grande atleta dentro das quadras.

“Sou agressivo sim e no esporte tem que ser assim. Estou ali para vencer e não para ser amigo de ninguém. Quando eu não tiver essa agressividade, eu vou ficar um pouco bolado. Não sou um cara difícil, sempre jogo nas maiores equipes”, concluiu.

Fonte: esporte.band.uol.com.br

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A VIA DO "PENSAMENTO DO POSSÍVEL" NO DIREITO BRASILEIRO























Por Rogério Henrique Castro Rocha



Vinculado originalmente às ideias do jusfilósofo alemão Peter Häberle, o chamado “pensamento jurídico do possível”, ou simplesmente “pensamento do possível” constitui-se numa nova técnica de hermenêutica que se baseia num pensamento reflexivo que, por meio de alternativas, objetiva preencher certas lacunas normativas.

Ultimamente, tal técnica vem sendo incorporada às decisões do Supremo Tribunal Federal, sobretudo nos julgamentos de casos complexos.

Também denominado de “pensamento pluralista de alternativas”, esse instrumento hermenêutico encontra parâmetros na noção de abertura procedimental, instituída no modelo teórico da sociedade aberta de intérpretes da constituição, formulado por Häberle, e que no Brasil, ao que nos parece, tem encontrado guarida em dispositivos existentes na lei 9.868/99.

Tendo por pressuposto o entendimento de que nas democracias o processo de interpretação constitucional deva ser empreendido com a participação ativa de todos os concernidos no contexto normativo, ou seja, com os próprios destinatários da norma, a teoria Häberliana começa a fazer-se refletir nas práticas decisórias adotadas pelo STF, bem assim a ser instrumentalizada com a aplicação da lei 9.868/99, sobretudo na medida em que prevê a realização das audiências públicas (agora bastante concorridas e, felizmente, em franco processo de popularização) e a habilitação de representantes de setores da sociedade (na figura do “amicus curiae”) para se manifestarem sobre relevantes temas objeto de ações constitucionais.

Conforme indica tal vertente, ao defrontar-se com lacunas legislativas, principalmente lacunas na Constituição, seu(s) intérprete(s) deverão buscar soluções não só na aplicação dos princípios e regras, mas também, sob uma perspectiva sistêmica, na técnica do “pensamento do possível”.

Tal técnica consistiria, resumidamente, em, partindo-se da realidade, ou seja, de um caso concreto, buscar proceder de forma crítica, refletindo e indagando sobre as possíveis alternativas existentes (reais, válidas e eficazes) para se solucionar o problema da lacuna normativo-constitucional, mesmo que para isso tenha-se que alargar, isto é, elastecer o texto legal.

Exemplo paradigmático da aplicação do “pensamento jurídico do possível” em nosso ordenamento foi a ADIN 1.289 – DF, quando, ainda na década de 90, a técnica foi aplicada pela primeira vez por nossos tribunais.

Naquela ocasião o STF declarou ser possível aos membros do Ministério Público candidatarem-se às vagas do quinto constitucional sem preencher o requisito mínimo de mais de 10 anos de carreira (conforme previsto no art. 94, CF/88).

Como com a vigência da nova constituição só se iria observar tal preenchimento de requisito uma década depois (ou seja, somente a partir do ano de 1998), quando então seria possível a alguns membros do MP tornarem-se aptos a preencher a hipótese dos mais de 10 anos de carreira, optou-se, sensatamente, ao nosso entender, em permitir que membros com menos tempo de carreira fossem alçados ao quinto, até que o próprio decurso temporal tornasse possível efetivar o comando normativo em toda sua plenitude.

Outro caso envolvendo a aplicação do “pensamento do possível” ocorreu no julgamento do RE 147.776-8, que envolvia a questão da defesa e assistência jurídica dos hipossuficientes pelas Defensorias Públicas Estaduais. À época, a maioria das unidades da federação não contava com o órgão da Defensoria implantado e em funcionamento, o que inviabilizava sobremaneira a efetivação do preceito constitucional.

A saída então encontrada para tal problema, à luz do citado instrumento hermenêutico, foi se permitir que os Ministérios Públicos e as Procuradorias Estaduais atuassem, temporariamente, na defesa dos necessitados, até que o processo de implantação das Defensorias Públicas se consolidasse no país.

Mais recentemente, provocado por uma consulta sobre a Resolução 21.920 do Tribunal Superior Eleitoral, tornando facultativo o voto aos portadores de deficiência grave, originou-se o Processo Administrativo n.º 18.843, onde o STF concluiu pela constitucionalidade da aludida resolução.

Reconheceu-se que o TSE havia na verdade estendido o direito previsto no art. 6º do Código Eleitoral (que excetuava do alistamento e do voto obrigatório os inválidos e os enfermos) aos portadores de deficiências ou necessidades especiais, sob o fundamento de que, com isso, se estaria a preservá-los em suas dignidades, poupando-os de serem expostos a situações constrangedoras e humilhantes decorrentes da dificuldade de deslocamento até as seções eleitorais.

Eis, portanto, mais um magnífico exemplo da aplicação da via do “pensamento do possível”.

Concluindo, podemos afirmar que tais casos servem para demonstrar que este novo mecanismo hermenêutico (ou essa nova técnica, como preferem dizer alguns) começa gradualmente a se sedimentar no entendimento do STF e de outras cortes superiores, com excelentes resultados, mostrando-se em sintonia com os ditames filosóficos do direito de nosso tempo. De um novo direito, pautado numa visão mais humana da aplicação das leis, conduzido por uma perspectiva pluralista, por uma postura crítico-reflexiva de um neoconstitucionalismo essencialmente democrático, procedimental e dialógico com que deverão se habituar nossas cortes superiores (quiçá também os magistrados das demais instâncias) ao decidirem as grandes questões de nossa sociedade.


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Independência do Brasil

Por Yuri Almeida
 
Há muito heroísmo em torno da independência do Brasil. Tudo isso não passa de epopéia positivista. D. Pedro I nunca foi herói e não há nada de bonitinho em nossa história. Entendamos o porquê disso.
A Independência do Brasil significou que o Brasil deixou de ser uma colônia portuguesa, tornando um Estado Nacional.
 
O dia oficial da independência foi 07/09/1822, mas essa independência foi um processo que ocorreu na estrutura da sociedade e se deu pelos interesses dos latifundiários, da burguesia inglesa e da classe média.
 
Napoleão Bonaparte
 
O regente de Portugal era o príncipe D. João. Napoleão Bonaparte da França tinha decretado o Bloqueio Continental, proibindo as nações européias de comerciar com a Inglaterra. Mas D. João continuou tendo relações comerciais com os ingleses. Por isso, Napoleão invadiu Portugal.
Assim, a família real e 15mil nobres portugueses fugiram para o Brasil, apoiados pela esquadra inglesa em 1808.
Esse apoio inglês teria algo em troca. Por isso D. João decretou a ABERTURA DOS PORTOS AS NAÇÕES AMIGAS, autorizando a Inglaterra a comerciar com o Brasil. – Era a queda do Pacto Colonial. Aqui começa o processo de independência política, pois já havia sido iniciado na economia.
 
Tratados de 1810
 
D. João assinou com a Inglaterra os TRATADOS DE 1810, acertando que, os produtos importados ingleses teriam uma taxa alfandegária de 15%. Outros países pagariam 24% e importações de Portugal 16%.
 
Inglaterra passava a ter mais vantagens que Portugal.
D. João permitiu manufaturas no Brasil, mas elas não cresceram devido à concorrência com produtos ingleses.
 
Reino Unido
 
Em 1815 Napoleão estava derrotado, mas D. João não voltou para Portugal e ainda decretou que a colônia passava a ser REINO UNIDO A PORTUGAL E ALGARVES. A capital do novo reino não era o Porto nem Lisboa e sim o Rio de Janeiro. O Brasil deixava de ser uma colônia oficialmente e passava a ser uma quase metrópole e Portugal era praticamente ajustada a condição de colônia.
 
Revolução Pernambucana (1817)

O nordeste pagava altos impostos e o comércio estava nas mãos de comerciantes portugueses, mal vistos pelos brasileiros.
 
A maçonaria divulgava idéias liberais e revolucionárias de forma subversiva.
 
Diante das idéias revolucionárias, o governador ordenou prisões, mas um capitão reagiu e matou seu comandante. Por isso, um coronel foi enviado para prendê-lo, mas soldados não aceitaram essa prisão e executaram o coronel.
 
As ruas foram tomadas pela multidão e os comerciantes portugueses tiveram que fugir.
 
Por dez semanas Pernambuco foi um país independente do Brasil. Inclusive trocaram o pão e o vinho português por mandioca e cachaça. D. João VI, já como rei, enviou tropas a Pernambuco e derrotou os rebeldes. Muitos foram enforcados e chicoteados em praça pública.
 
Revolução Liberal do Porto (1820)
 
Revolução do Porto eclodiu em Portugal. A burguesia estava no poder e não aceitaram a liberdade econômica do Brasil. Queriam também a volta do rei D. João VI ou separariam do Brasil.
 
Os portugueses queriam que o Brasil voltasse a ser uma colônia de exploração.
 
Para não perder o posto de rei, D. João VI voltou a Portugal, deixando seu filho D. Pedro como príncipe regente.
 
Partidos Políticos
 
A situação política no Brasil ficou tensa, pois não queriam que o Brasil voltasse a ser uma colônia portuguesa.
 
Surgiram dois partidos políticos no Brasil: o Partido Português e o Partido Brasileiro. O Partido Português queria a recolonização do Brasil. Era formado por militares, altos funcionários públicos e antigos comerciantes que eram beneficiados pela administração portuguesa.
 
O Partido Brasileiro queria a independência do Brasil. Era formado por fazendeiros, comerciantes que desejavam comerciar com a Inglaterra e a classe média.
 
Mas entre o Partido Brasileiro havia os que queriam um país liberal e os que queriam um país com escravidão.
 
Independência 
 
Os latifundiários do Partido Brasileiro queriam a independência, mas temiam que essa fosse feita pelas armas e revolta popular, pois D. Pedro tinha seu exército. É bom salientar que, em todos os processos de independência na América houve luta armada.
 
Por isso aproximaram de D. Pedro, para que ele fizesse a independência sem a participação popular. Em troca, ele não seria retirado do poder e se tornaria imperador do Brasil.
 
Sabendo da situação, D. João VI ordenou a volta de D. Pedro a Portugal. 
 
O Partido Brasileiro reagiu e conseguiu 8 mil assinaturas pedindo que D. Pedro ficasse. Esse episódio ficou conhecido como o DIA DO FICO e D. Pedro concordou aceitando a proposta.
 
Tropas foram enviadas de Portugal, mas logo desistiram de rebelar contra o Brasil.
 
Em 1822 D. Pedro anunciou eleições para uma Assembléia Constituinte, que formaria a constituição do Brasil. 
 
No mesmo ano ele proclamou a independência e se tornou D. Pedro I.
 
Na realidade foi feito um acordo para essa independência, sendo que o Brasil teve que pagar dois milhões de libras esterlinas como indenização para Portugal e seu filho foi coroado D. Pedro I, o primeiro governante do novo Estado Nacional chamado Brasil, única monarquia das Américas.
 
Curiosidade: o Brasil não tinha dinheiro para pagar essa indenização. A Inglaterra pagou a quantia acordada com Portugal e o Brasil nasce com uma dívida com a Inglaterra. Isso fará o Brasil ter sérios problemas em sua economia devido ao imperialismo britânico.

Fonte: Blog História Crítica

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Crítica: "Procura-se um amigo para o fim do mundo"


Por Amanda Seraphico (Jornal do Brasil)
Com a direção discreta da estreante Lorene Scafaria, Procura-se um amigo para o fim do mundo é uma comédia dramática que pretende abordar o apocalipse através de um ponto de vista intimista, explorando as reações dos personagens diante da certeza do fim e, assim, revelando seus medos e desejos. Entretanto, muito diferente de Melancolia, de Lars Von Trier, por exemplo, Procura-se um amigo mantêm a todo momento um clima leve e até mesmo doce, apesar de irônico.
No filme, Dodge (Steve Carell) é um vendedor de seguros de Nova York que, imediatamente após a descobrir que um meteoro se chocará com a Terra em apenas três semanas, é abandonado por sua esposa. Enquanto seus amigos, típicos personagens da classe média, aproveitam os últimos dias para se soltar e ousar experiências com drogas e sexo, o melancólico Dodge repensa sua vida amorosa e decide procurar uma antiga namorada. Nesse momento, ele conhece Penny (Keira Knightley), sua vizinha jovem, linda e desatinada, que perdeu o último voo para a Inglaterra e, desse modo, a chance de estar com sua família. Após fugirem de um motim, os dois saem em uma viagem de carro com esperança de conseguirem realizar seus últimos desejos.
Cena de "Procura-se um amigo para o fim do mundo", com Keira Knightley e Steve Carell
Cena de "Procura-se um amigo para o fim do mundo", com Keira Knightley e Steve Carell
A atuação contida de Carell no papel do carinhosamente patético Dodge, que contrasta radicalmente com a histeria das expressões faciais de Keira Knightley, serve bem ao estilo de humor que o roteiro sugere. Scafaria realiza bem como roteirista o desafio a que se propôs: mesclar comédia-romântica, drama e filme-catástrofe. Os estilos se misturam com naturalidade o filme está repleto de detalhes interessantes e ambíguos, como o homem que apara a grama às vésperas do apocalipse.
Porém, o que, mesmo de maneira divertida, poderia ser uma reflexão sobre o condição humana diante de sua extinção, acaba sufocada por um encontro amoroso que pouco convence. O estilo minimalista, que permite que todos acontecimentos sejam apresentados com o mesma suavidade, torna o filme morno demais. Os personagens não se mostram mais interessantes com a proximidade da morte e parecem muito passivos diante das situações que vivem. Desse modo, só resta ao público esperar os inevitáveis fins, do mundo e do filme.
Procura-se um amigo para o fim do mundo pode ser uma opção para quem deseja dar algumas risadas e assistir uma história de amor embalada ao som de Beach Boys, The Hollies, Walker Brothers e outras preciosidades da coleção de discos de Penny enquanto come uma pipoca quentinha, mas certamente decepcionará quem está em busca de fortes emoções.
Cotação: * (Regular)

terça-feira, 12 de junho de 2012

Ficção científica para problematizar o mundo


Professor defende em estudo que livros e filmes sobre ciência são mais benéficos ao aluno se o estimulam a questionar o contexto em que a obra foi feita, em vez de fazê-lo abraçar, de modo acrítico, o conhecimento científico.
Por: Thiago Camelo
Publicado em 09/05/2012 | Atualizado em 09/05/2012
Ficção científica para problematizar o mundo
Representação cinematográfica do personagem de ‘Eu, robô’, renomada novela apocalíptica do escritor de ficção científica Isaac Asimov. (foto: Teymur Madjderey/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)
No começo, o professor de física do ensino médio Adalberto Anderlini estava animado com a ideia de usar obras de ficção científica para estimular os seus alunos a entender e se interessar por ciência. Estava tão empenhado que resolveu estudar o assunto mais a fundo em mestrado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo.
A fascinação pela ciência debilitaria a autonomia do estudante frente ao mundo
No decorrer do trabalho, no entanto, o barco virou e a premissa de usar a ficção científica 'apenas' como forma de cativar o aluno esmaeceu. No estudo, Anderlini defende que "por meio do cientificismo da ficção científica", leva-se o estudante a "adorar a ciência, persuadindo-o a venerá-la, em uma devoção submissa". 
Para ele, essa fascinação debilitaria a autonomia do estudante frente ao mundo. Acreditar na  'verdade' do discurso científico poderia, muitas vezes, gerar insegurança no aluno diante daquele admirável, mas inalcançável, universo.
Anderlini quer a ficção científica "como uma forma de apresentar e discutir os mitos culturais que recheiam nosso imaginário". 
Por que este livro ou aquele filme tratam o alienígena e o robô desta e não daquela maneira? 
Com ideias assumidamente freirianas, o físico defende o despertar do aluno para "uma visão crítica de mundo". Deseja que o estudante se pergunte: por que este livro ou aquele filme tratam o alienígena e o robô desta e não daquela maneira? Qual seria o fundo cultural por trás das escolhas do autor da obra? 
O físico buscou apoio nos estudos da professora estadunidense Mary Elizabeth Ginway, que pesquisou a literatura fantástica brasileira e fez alegorias com o tipo de obra que era produzida no Brasil e a natureza social do país.
Segundo Anderlini, Ginway explica que, enquanto a ficção científica dos Estados Unidos geralmente abraça a tecnologia e a mudança, mas teme rebeliões ou invasões por robôs e alienígenas, a ficção científica do Brasil tende a rejeitar a tecnologia, mas abraça os robôs e tem uma visão indiferente ou exótica dos alienígenas. 
Para Ginway, continua o físico, essa visão menos alarmista de robôs e alienígenas reflete a experiência colonial brasileira,  que tornou o país menos propenso a rejeitar ou temer aquilo que é diferente.


Teoria, mas com contexto

Em conversa com o Alô, Professor, Anderlini aponta as relações que tenta estabelecer com os seus alunos:
"Tento tratar mais de questões interdisciplinares, que envolvem história e sociologia. É importante haver algum contexto, como num conto de Asimov em que ele cita, com todas as letras, a Lei da Gravitação de Newton", diz o professor, referindo-se ao escritor estadunidense nascido na Rússia Isaac Asimov (1920-1992) e ao seu conto O cair da noite.
A ficção científica é usada, por exemplo, para ensinar aos alunos do último ano do ensino médio bases de física moderna. "Leio com eles As aventuras do Sr. Tompkins, obra em que o personagem visita mundos regidos por outras leis, mundos em que a velocidade da luz pode ser baixíssima", diz Anderlini, citando o livro do escritor russo George Gamow (1904-1968).
"Essa história com a velocidade da luz alterada ajuda a compreender a teoria da relatividade, que se torna algo mais palpável", completa.
Matrix
Cena em que o personagem Neo desafia nosso conhecimento prévio e desvia de balas. 'Matrix' é um dos filmes-fetiche nas aulas do professor Anderlini, que tem 31 anos e ainda era estudante quando a obra foi lançada. (imagem: reprodução)
Uma outra estratégia do físico em sala de aula é pedir para que os alunos escolham alguma obra de ficção científica e formulem perguntas sobre elas; dúvidas que serão discutidas durante o curso. 
Uma última atividade – "Essa mais ousada", afirma Anderlini – consiste em pedir para que os alunos escrevam seus próprios contos. "Fiquei impressionado com a qualidade dos escritos,  valeu a pena, é legal ver até que ponto os estudantes absorveram a linguagem científica", diz o professor, enfatizando que talvez esse tipo de exercício não fosse possível caso ele não desse aula em uma escola Waldorf, baseada na pedagogia desenvolvida pelo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925). Esse método, entre diversas características, detém-se às potencialidades de cada aluno e estimula atividades extracurriculares.
"Tudo é diferente na escola, os horários, a forma como o conteúdo é passado, então atividades como as que faço são estimuladas, não são rechaçadas de cara", conta Anderlini. No final de sua tese, ele defende: "Devemos abordar na escola justamente aquelas questões que limitam sua (nossa) forma de pensar, para que ele [o aluno], reconhecendo-as como tal, atue conscientemente: busque compreendê-las para delas libertar-se". 

Thiago Camelo
da Ciência Hoje On-line

terça-feira, 6 de março de 2012

APOSENTADORIA COMPULSÓRIA: PUNIÇÃO OU CRIME


Por Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior
Presidente Nacional da OAB

As recentes e pedagógicas decisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de afastar magistrados que deixaram de observar os mais elementares deveres funcionais e incorreram em práticas de corrupção e malversação de dinheiro, demonstram a maturidade alcançada por esse importante órgão de controle externo. Ao mesmo tempo, levam-nos a refletir acerca da aposentadoria compulsória concedida a magistrados e membros dos Tribunais de Contas envolvidos com essas situações. No mínimo, despertando certo grau de perplexidade.

Como está expresso no título acima, é castigo ser aposentado e continuar a receber em casa proventos pagos com recursos públicos após cometer esses crimes? Ou terá sido uma bênção? Em busca de uma resposta digerível, não é à toa que o tema tenha se inserido no Parlamento, a partir de Proposta de Emenda Constitucional apresentado pela Senadora Ideli Salvatti (PEC nº 83/09) e que está prestes a ser analisado no Senado.
Ao decidir dessa forma, o CNJ nada mais fez do que seguir a “penalidade” prevista no inciso VI do art. 42 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e Lei Complementar nº 35/79. Editada em um momento singular das instituições, a chamada Loman procurou preservar a independência e autonomia dos integrantes do Poder Judiciário contra atos arbitrários do passado. A realidade hoje é outra.
O magistrado age com total liberdade e tem a seu favor o preceito constitucional que lhe confere o direito à vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos (art. 95 da Constituição Federal) – justamente os obstáculos à punição daqueles que incorrem em faltas graves no exercício de suas atividades.
Esses obstáculos se apoiam em dois pilares: 1. a vitaliciedade só pode ser afastada por sentença transitada em julgado; e 2. a previsão da aposentadoria compulsória, ou seja, direito à percepção dos subsídios integrais ou proporcionais (dependendo do tempo de serviço), autorizado pelo disposto no art. 93, VIII, da Constituição Federal em conjunto com o contido no inciso VI do art. 42 da Loman.
De fato, a previsão em causa não encontra base racional lógica. É, antes, uma construção que foge ao razoável e agride o bom senso, configurando violação aos mais elementares preceitos de moralidade pública e administrativa que a Constituição de 1988 expressamente impõe.
Sua derrisória e final mensagem é que brasileiros, sobretudo os que integram uma casta privilegiada, após banquetear-se em práticas criminosas, serão “punidos” com uma régia aposentadoria, mesmo que não preencham os requisitos legais para tanto.
Se o exemplo é bizarro, o que dizer daquele magistrado honesto que tenta, voluntariamente, aposentar-se com proventos proporcionais ou integrais? Não, este não pode. O benefício só alcança aquele que praticou ato ilícito – a juízo do próprio Tribunal ou do CNJ, depois de submetido ao amplo direito de defesa em processo legal administrativo disciplinar.
Vá explicar…
Por outro lado, ao se fazer uma comparação entre os magistrados e os demais agentes públicos, não se vislumbra idêntico tratamento ao presidente da República em caso de crime de responsabilidade (Poder Executivo), nem aos deputados e senadores, em caso de processo político-parlamentar (não judicial, portanto), muito menos aos servidores em geral – que podem ser demitidos a bem do serviço público, sem direito nenhum.
A “punição” também agride o próprio sistema contributivo de aposentadoria a que estão submetidos todos os servidores públicos, incluindo os magistrados e membros dos Tribunais de Contas. Nele estão previstas a aposentadoria por invalidez permanente, a aposentadoria compulsória (70 anos) e a aposentadoria voluntária, desde que cumpridos, ao menos, 20 anos no serviço público e 10 anos no cargo efetivo de final de carreira. Nunca, porém, a da aposentadoria compulsória com proventos proporcionais em decorrência de penalidade aplicada em processo administrativo-disciplinar.
Como se vê, manter a aposentadoria compulsória nesses casos é afirmar, em alto e bom som, que nem todos são iguais perante a lei. É indigno, injusto, imoral. Agride a isonomia contida na norma constitucional. Configura privilégio, descolado do conceito de cidadania.
Reformado e revigorado nos últimos anos, é chegada a hora de o Judiciário brasileiro provar sua maturidade e enfrentar essa questão com coragem e determinação, fazendo-nos crer que a velha e reconfortante máxima “a lei é para todos” ainda não nos abandonou. A sociedade agradece.

Fonte: Revista Prática Jurídica

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