Mostrando postagens com marcador Constitucionalismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Constitucionalismo. Mostrar todas as postagens

sábado, 13 de agosto de 2011

Força militar e segurança humana

Andé Ramos Tavares
Livre Docente em Direito pela USP. Professor da PUC/SP, do Mackenzie, do CEU-SP e da ESA-SP; Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais, autor do Curso de Direito Constitucional (Saraiva, 7. ed.) DIRETOR DA ESCOLA JUDICIÁRIA ELEITORAL 


Originariamente, as Forças militares de um Estado encontravam sua finalidade primeira na conquista ou na defesa de territórios, embora se deva reconhecer o desempenho de um papel fundamental também na segurança interna.
Recordo, a propósito, que na origem do próprio constitucionalismo e da democracia atual foram razões de ordem militar e de defesa comum, dos Estados que haviam se tornado recém-independentes da ex-Corôa britânica, que levaram à formatação do primeiro Estado Constitucional e democrático e, com ele, à manutenção de forças armadas com a função de segurança em geral.
Todas as Constituições brasileiras previram expressamente as Forças Armadas incumbindo-as da defesa da pátria contra seus inimigos tanto externos quanto internos. Não há dúvida de que se trata de assunto com histórica feição constitucional.
Na Constituição brasileira atual, assim como ocorre com a maioria das constituições contemporâneas no Mundo Ocidental, as Forças Armadas constituem, ainda, um instrumento de força, mas estão inseridas no contexto de um Estado Democrático de Direito, o que significa, primeiramente, que a elas é designado papel fundamental na manutenção da estabilidade das instituições, e ainda, em atividades de segurança pública e humanitárias. Colocam-se, com isso e em democracias consolidadas, como democraticamente imprescindíveis e responsáveis.
Sobre a necessária relação, para o bem ou para o mal, das Forças Armadas com os "poderes constitucionais" e seus valores, vale recordar as palavras de Nelson Hungria, por ocasião do golpe de Estado que derrubou Café Filho. Afirmou o ilustre jurista brasileiro que o Supremo Tribunal Federal brasileiro era um arsenal de livros, e não de tanques - e, por isso, nada podia fazer para garantir o Governo, podendo apenas mostrar uma realidade, qual seja, a de que sem a garantia democrática das Forças Armadas não há poderes constituídos.
No plano interno brasileiro, especificamente quanto à segurança pública, as Forças Armadas também podem ser chamadas a atuar, mas a Constituição brasileira atribui a segurança pública prioritariamente às polícias e corpos de bombeiros.
Ainda no plano interno brasileiro, as Forças Armadas podem atuar diante de algumas hipóteses como: em intervenção federal; estado de defesa ou de sítio; na manutenção da lei e da ordem com policiamento no caso de esgotamento dos instrumentos previstos no art. 144 da Constituição brasileira; na segurança em eventos oficiais ou públicos de interesse nacional.
Na busca de uma definição desse contemporâneo poder militar Joseph S. Nye Jr[1] o identifica com a força. Para esse autor, o poder militar expressa-se por meio de ameaças, o que permitiria a coerção, dissuasão e proteção, além de dar origem a políticas governamentais como a diplomacia coercitiva, a guerra e as alianças. Nye menciona a capacidade persuasiva do poder militar, que poderia, em situações específicas, gerar admiração, reconfortar, proteger, auxiliar os desvalidos em contextos de catástrofe etc.
Lawrence Freedman[2], ao se debruçar sobre a latência do poder militar, ressalta seu caráter paradoxal: "o paradoxo do poder militar latente é que os benefícios políticos que podem ser obtidos por seu intermédio tendem a ser fundamentalmente negativos, ou seja, evidenciam-se pela ausência de desenvolvimentos perigosos e são colocados em risco tão logo haja demandas no sentido da passagem do estado latente para o ativo". Logo, a força armada seria mais democraticamente bem vinda em seu estado de letargia, e apesar de estar direcionada para responder, para entrar em ação, quando necessário, sua atuação efetiva é considerada, aqui, como sendo potencialmente ameaçadora.
As Forças Armadas devem atuar diante de difícil e crucial missão seja em plano externo ou interno, mas em uma democracia constitucional devem se submeter à Constituição e ao governo civil e democrático, e em uma sociedade mundializada e em constante relacionamento devem funcionar como fator de estabilidade e segurança internacional. Todas essas dimensões de análise encontram-se vinculadas diretamente à democracia e aos direitos fundamentais, pois não posso conceber que o tema possa estar dissociado destes dois preciosos valores. Para mim, refletir sobre a contextualização do papel das forças militares nas democracias contemporâneas e na Ordem Internacional implica uma chave de leitura adequada que, aqui, há de ser um conceito ainda pouco desenvolvido, o da "segurança humana", superando-se, assim, a vetusta idéia de autodeterminação dos povos[3].


[1]    NYE JR. Joseph S. Soft power: the means to success in world politics. New York: Public Affairs, 2004 apudALSINA JR. João Paulo Soares. Política externa e poder militar no Brasil - universos paralelos. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009, p. 23.

[2]    FREEDMAN, Lawrence. Military power and political influence. International Affairs, v. 74, n. 4, Oct. 1998. P. 780 apud ALSINA JR. João Paulo Soares. Política externa e poder militar no Brasil - universos paralelos. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009, p. 24.

[3]    ESTEVES, Paulo. Operações de manutenção de paz sob o programa da paz democrática. In: Segurança internacional, práticas, tendências, conceitos, 2010, p. 253.


Fonte: Jornal Carta Forense


quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quais os significados possíveis para a palavra "constitucionalismo"?


Controle de Constitucionalidade
O Constitucionalismo, em nosso entender, pode ser definido como o resultado histórico de lutas, revoluções, movimentos e ideias, que tiveram por objetivo principal instalar, sob o primado da racionalidade, mecanismos legais de controle e redimensionamento do poder do Estado, a fim de garantir direitos e instituir deveres às instituições e cidadãos nas mais variadas sociedades. No Ocidente, a construção desse modelo de controle passou pela elaboração de Cartas Políticas (decisões fundamentais do povo), as quais se convencionou chamar de Constituições.

Foi a partir da elaboração do pensamento contratualista e, sobretudo, do desenvolvimento de filosofias políticas e jurídicas, ao longo dos séculos XVII ao XX, que se estabeleceram os fundamentos do Direito Constitucional da atualidade. Tais concepções teóricas foram responsáveis por ajudar a erigir a Constituição em uma força normativa capaz de fazer valer o Direito em bases positivadas, constituindo-se em verdadeira declaração política emanada do poder soberano constituinte do povo.

Dessa forma, baseada na Lei Fundamental, instituída pela vontade livre dos cidadãos, as sociedades, principalmente as democráticas, deram a si próprias um relevante mecanismo de proteção contra os desmandos do poder arbitrário de grupos ou indivíduos que, isoladamente, pudessem exercer o poder de forma tirânica.

Para Marcelo Vicente de Alkmin Pinenta[1], Constitucionalismo é

... o movimento político e jurídico que visava estabelecer em toda parte regimes constitucionais, no sentido de promover a limitação do poder estatal, a partir da separação dos poderes e da declaração de direitos do indivíduo, de modo a estruturar o Estado em bases mais racionais e socialmente mais justas.


Segundo Kildare Gonçalves de Carvalho[2],

O termo constitucionalismo apresenta vários significados. Embora se enquadre numa perspectiva jurídica, tem alcance sociológico. Em termos jurídicos, reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que se encontra acima dos detentores do poder; sociologicamente representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado.

Uadi Lamêgo Bulos[3], citado por Kildare Gonçalves, afirma que

O termo constitucionalismo tem dois significados diferentes: em sentido amplo, significa o fenômeno relacionado ao fato de todo Estado possuir uma Constituição em qualquer época da humanidade, independentemente do regime político adotado ou do perfil jurídico que se lhe pretenda atribuir; em sentido estrito, significa a técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século XVIII, que possibilitou aos cidadãos o exercício, com base em Constituições escritas, dos seus direitos e garantias fundamentais, sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo uso da força e do arbítrio.

Contribuindo para a compreensão do fenômeno do constitucionalismo, e seus desdobramentos necessários, importante destacar ainda o apontamento feito por Rogério Gesta Leal[4], ao ressaltar que

Pode-se dizer de certa forma que a Teoria da Constituição da modernidade e até o final do século XIX, no Ocidente, esteve marcada por um viés liberal-burguês, tendo servido como uma grande âncora para os processos de resistência política e social do seu tempo, notadamente para os efeitos de superar a fase obscurantista dos governos exercidos pela força da tradição e dos costumes autoritários de segmentos aristocráticos e oligarcas do medievo.
É a força da razão – inclusive na sua dimensão normativa e argumentativa – ocupando o espaço da força da tradição do poder físico de uns sobre os outros. Esta mesma razão é que vai erigir e exigir a explicitude dos fundamentos de justificação da forma e do exercício do poder, não mais vinculados às situações estanques de status nobiliárquico-hereditários ou religiosos, mas a critérios objetivos e laicos para aferir o novo padrão de análise e validade dos atos de governo e de poder: a sua legalidade.

Assim, sendo, contra as forças hostis aos direitos e liberdades públicas, contra os absurdos do poder autocrático, da coação tirânica do Estado Leviatã ou do Monarca Absoluto contra o cidadão comum, contrapôs-se um instrumento legal democrático, legitimado pela celebração de um pacto entre os concernidos (seus construtores e principais destinatários), como forma de impor limites ao Executivo (bem como aos demais poderes integrantes do complexo estatal) através de normas vinculantes, delineadas num documento fundamental chamado Constituição.

*Rogério Henrique Castro Rocha (Pós-graduando em Direito Constitucional e Direito do Estado pela Universidade Anhanguera/Uniderp/Rede LFG; Pós Graduado em Paradigma da Pesquisa em Ética pelo IESMA; Graduado em Filosofia e Direito pela UFMA)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito constitucional. 17. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
LEAL, Rogério Gesta. O Estado-juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkmin. Direito constitucional em perguntas e respostas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.



[1] PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkmin. Direito constitucional em perguntas e respostas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 63.
[2] CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito constitucional. 17. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 231.
[3] BULOS, Uadi Lammêgo Apud CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Op. Cit., p.232.
[4] LEAL, Rogério Gesta. O Estado-juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.42-43.

Postagens populares

Total de visualizações de página

Páginas