sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Burro passa em concurso?


Burro passa em concurso?

É preciso ter uma inteligência acima da média para passar em concursos públicos ou exames? Quantas pessoas não se pegam com pensamentos e devaneios do tipo: “mas fulano é muito inteligente mesmo, ele passou em vários concursos difíceis e bem colocado!”. Ou seja, muitas vezes e de forma não deliberada e espontânea, associamos a inteligência à aprovação.
E por conseguinte, estabelecemos que a inteligência, enquanto um dom genético-natural-biológico de alguns privilegiados pela natureza, trata-se de condição que leva à aprovação.Por outro lado, também por vezes, convencionamos que não somos detentores do referido dom, e assim, chegamos à conclusão, ainda que não assumida ou inconsciente, de que não podemos passar.  Mas aí reside uma dupla armadilha, a qual pode gerar algum comodismo e conformismo, bem como cria um falso pensamento de inviabilidade da aprovação.
O objetivo do presente texto é apresentar provocações à reflexão, no sentido da desconstrução desta idéia, de modo a evitar que se caia na referida armadilha!
E para tanto, começo com uma primeira provocação, com toda a tranqüilidade de quem passou pelo referido processo de preparação até a aprovação. Ou seja, vivi intensamente o papel de candidato, passando pela experiência relatada. Por vezes tive os mencionados pensamentos de associação da inteligência à aprovação, entendendo que não teria a titularidade do referido dom bio-cognitivo outorgado pela natureza.
Mas a tranqüilidade na abordagem do presente tema atualmente não decorre apenas do fato de que logrei êxito no concurso público que sempre tive como objetivo principal, isto é, a Magistratura do Trabalho, tendo também passado em vários outros concursosO outro motivo que me deixa à vontade consiste no intenso trabalho de estudos e pesquisas sobre o tema da aprendizagem humana que venho desenvolvendo academicamente, numa perspectiva aplicada à preparação para concursos e exames.
Muitas impropriedades na reflexão do tema começam com alguma imprecisão conceitual sobre a inteligência, o que se trata de algo que conta com inúmeras abordagens e paradigmas, trabalhados há séculos. Desde a antiguidade existem concepções estabelecidas sobre a inteligência, nem sempre sendo corretas, estando também o assunto impregnado no senso comum.
E para lhe despertar à reflexão, começo fazendo a seguinte provocação: quem é mais inteligente, o ex-Presidente FHC ou o ex-Presidente Lula? Esta pergunta, passível de despertar paixões, foi intencionalmente colocada para contribuir com o objetivo do texto, no sentido da desconstrução de concepções pré-estabelecidas.
Responda à pergunta! Para você, o mais inteligente é FHC ou Lula?
FHC conta com inúmeros títulos acadêmicos, sendo respeitado em vários cantos do mundo por seu conhecimento. Os seus defensores vão dizer que foi o pai do Plano Real, sustentando aí um traço de sua inteligência. Lula, que não tem nem mesmo um título de graduação, é o mais carismático Presidente da nossa história, superando, segundo muitos, Getúlio Vargas. Também é um dos maiores líderes mundiais da atualidade, tratando-se de um fenômeno de quase-unanimidade mundialmente.
Qual dos dois é o mais inteligente mesmo?
Uma das primeiras tentativas de mensurar a inteligência ocorreu por volta de 1890, com a iniciativa de um primo de Charles Darwin, chamado Francis Galton. Em 1955, horas depois da morte de Albert Einstein, tido por símbolo da inteligência humana, seu cérebro já estava cortado em 240 fatias. Mais contemporaneamente, Howard Garner promoveu uma pequena revolução no tema, propondo o conceito das múltiplas inteligências, as quais correspondem à lingüística, lógico-matemática, espacial, musical, corporal-sinestésica, pessoal, naturalista e existencial.
Existem diversos estudos e pesquisadores na atualidade trabalhando intensamente sobre o tema. Argumentos construídos para refutar a credibilidade dos testes voltados à mensuração do quociente de inteligência não faltam.
Inclusive, neste sentido, recentemente foi apresentada uma tese por um professor da Universidade de Toronto, pesquisador na área da psicologia cognitiva, chamado Keith Stanovich, no sentido dadistinção entre a falta inteligência e o que chama de disracionalidade. Ou seja, ser inteligente não significa ser racional. Segundo o autor, os testes de QI não medem a disracionalidade, a qual é determinada pela forma de solução de problemas e pelo conteúdo intelectualmente apropriado. Assim, é normal que pessoas inteligentes segundo os testes de QI, não sejam racionais, seja pela forma como desenvolvem o raciocínio, seja pela bagagem cultural e conceitual que carregam (“O que os testes de QI não revelam”. Mente&Cérebro, no. 216, Ano XVIII, págs. 42/43). Segundo o autor, os “gênios” também fazem besteiras e erram, sendo que exemplos públicos e notórios não faltam.
Não tenho dúvida de que esta tese consiste num argumento muito importante para desconstruir a idéia de que passar em concurso é para os iluminados e premiados por sua carga bio-neuro-genética-cognitiva. Ou seja, o candidato deve ser predominantemente inteligente ou racional?
Também existem estudos indicativos de que traços da inteligência decorrem do tamanho da massa cinzenta existente no cérebro e da capacidade de baixo consumo enérgico quando da realização de determinadas operações mentais. Mas aí há duas boas notícias. A primeira é que o tamanho da massa cinzenta se altera. A segunda é que o treino leva à redução do consumo de energia. (idem, pag. 41)
Estas constatações, no plano neurobiológico, nos remetem ao conceito de plasticidade cerebral. Conforme sustentam muitos estudiosos do funcionamento do cérebro humano, a função faz órgão!Assim, quanto mais nos mantemos nos estudos, mais avançam nossas capacidades intelectuais. Simples assim, sem precisar de milagres ou fórmulas mágicas!
Tal compreensão, inclusive numa perspectiva aplicada à preparação para concursos, pode ser adotada juntamente com as construções de Reuven Fuerstesin, uma das grandes autoridades contemporâneas no tema da aprendizagem e autor da Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural. Conforme a lógica da referida teoria, “…a crença na inteligência como algo fixo, na potencialidade dos estímulos externos e na ênfase da emoção começou a encontrar alguns opoentes como Piaget, para quem a inteligência estaria ligada à construção ativa do pensamento a respeito do mundo, e Feurstein, cuja teoria se baseia na crença de que a inteligência é dinâmica e modificável, construída a partir dos múltiplos fatores gerais que podem ser relacionados a todos os comportamentos cognitivos.” (Souza, Ana Maria, Depresbiteris, Lea e Machado, Osny Telles. “A mediação como princípio educacional”.São Paulo: Senac, pág. 31).
As colocações até aqui apresentadas nos levam ao reconhecimento de duas constatações de grande importância. A primeira é que a prova do concurso público não é um teste de QI, estando mais para um teste de racionalidade. A segunda é que a inteligência é dinâmica.
Tais premissas, por sua vez, nos levam à conclusão de que você não tem o direito de achar que a aprovação é monopólio dos detentores de uma carga neuro-bio-genética privilegiada!
O concurso público está mais para um processo de intensa mobilização cognitiva, do que um mero teste de QI. Vale lembrar que, conforme descrito e explicado no livro que escrevi sobre o tema da metapreparação para concursos públicos, temos funções cognitivas primárias, que correspondem à atenção, memória e percepção, e funções cognitivas secundárias, correspondentes à aprendizagem e linguagem (Como se Preparar para Concursos com Alto rendimento, Ed. Método, pág. 132, apud PANTANO, Telma. Neurociência aplicada à aprendizagem. São Paulo: Pulso, 2009, pág 23).
Neste sentido, conforme sustentado no texto que escrevi para refutar a idéia do Super Homem Cognitivo, tendo como pano de fundo o edital do MPF (Procurador da República), o concurso público, indo muito além de um mero teste de inteligência, exigirá do candidato a realização de várias atividades intelectuais, como a capacidade de resolução de problemas com prévia compreensão e identificação da suas variáveis, mobilização da memória, identificação de conceitos, desenvolvimento de raciocínio e rotas cognitivas, concentração, enquanto capacidade de seleção de estímulos e informações, elaboração de respostas e busca de soluções criativas, dentre outras congêneres. 
Isto sem falar, ao longo do processo de preparação, na necessidade de planificação dos estudos, bem como de condições emocionais para a manutenção na trajetória de busca da aprovação.
Ainda nesta perspectiva crítica, se é bem verdade de que o concurso não é para iluminados detentores de elevados quocientes de inteligência, não é menos verdade que não é preciso que o candidato busque métodos e soluções mágicas e milagrosas, para se transformar numa espécie de mutante da cognição. Atualmente existe um verdadeiro mercado de venda de soluções milagrosas, que dizem aumentar a velocidade e a eficácia de funções cognitivas. Quando as vejo lembro do personagem Professor Xavier (do “X-Men”), de modo que considero se enquadrar bem em roteiros de ficção científica. Mas não à realidade dos concursos e exames. Inclusive em função de várias limitações de ordem biológica. Mas não podemos descartar a possível pequena eficácia decorrente do efeito placebo.
Ou seja, a aprovação no concurso público não é monopólio de uma elite privilegiada por capacidades neuro-bio-cognitivas, geneticamente recebidas da natureza. Mas também não é preciso se tornar um mutante cognitivo para conquistar a aprovação.
Portanto, diante de todas as considerações, como conclusão, proponho à reflexão e atitude as seguintes idéias:
- a aprovação no concurso público não é restrita a candidatos que contem com capacidades e estruturas neurobiológicas tidas por privilegiadas, até mesmo pelo princípio da isonomia no seu sentido jurídico;
- procure se manter e avançar nos estudos, inclusive trabalhando com a lógica do foco no processo, no sentido de contribuir com a lógica da plasticidade ;
- procure se submeter à realização de provas ou mesmo exercícios, considerando a tese de que o treino tende a reduzir o consumo de energia cerebral. Mas cuidado, pois os exercícios devem ser tidos como um processo secundário-complementar.
- se convença de que você não tem o direito de dizer que não conta com condições cognitivas de conquistar a aprovação.
Seja mais do que inteligente, seja racional!
PS: CONFORME SE CONSTATA AO LONGO DO TEXTO, O TÍTULO CONSISTE NUMA PROVOCAÇÃO À REFLEXÃO SOBRE A IDEIA DE QUE A APROVAÇÃO É MONOPÓLIO DOS TITULARES DE INTELIGÊNCIA TIDA POR ELEVADA E DO PRÓPRIO CONCEITO DE INTELIGÊNCIA APLICADA AO PRESENTE CONTEXTO.
Fonte: blog do Professor Rogerio Neiva

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